Andor é uma obra que exige paciência e atenção, mas que recompensa o espectador. O fascínio por Star Wars reside em dois pilares. Um deles é a sua dimensão espiritual. A Força, energia mística que permeia a galáxia e conecta todos os seres vivos, oferece uma perspectiva sobre o universo que vai além do material. Ela evoca conceitos de equilíbrio, destino e a interconexão de tudo, adicionando uma camada de profundidade que ressoa com anseios espirituais universais. Os Jedi, como guardiões dessa energia, personificam a disciplina espiritual e a luta contra as paixões destrutivas.
O outro pilar é a poderosa representação da luta pela liberdade contra a opressão, transposta no conflito político e militar. Ambos constituem a essência de Star Wars em igual medida. A busca pela liberdade se entrelaça com a busca pelo autoconhecimento e pela conexão com algo transcendente; e isso eleva a saga a um patamar que ressoa tanto no plano político quanto no espiritual. No entanto, quando se tira o freio que apenas George Lucas tinha com a sua criação, e se produz massificadamente novos conteúdos; é natural que haja obras que se dediquem mais a um ou mais a outro. Se The Acolyte e Ahsoka apresentam uma temática mais voltada à Força, Andor opta categoricamente por um recorte político, sociológico e antropológico – nessa ordem.
É assim que soa um acerto de contas
A grande força motriz de Andor reside no seu roteiro meticuloso e paciente, assinado majoritariamente por Tony Gilroy e pelo seu irmão, Dan Gilroy. Longe das soluções fáceis e dos diálogos expositivos excessivos, a narrativa se desenvolve em camadas, construindo um panorama político e social opressor onde a resistência floresce na amargura e na necessidade. A ausência de maniqueísmo simplista é revigorante, ao apresentar um universo cinzento onde as escolhas são difíceis e as consequências, palpáveis. A série demonstra uma maestria na construção de arcos narrativos interconectados, culminando em momentos de tensão e catarse.

A série dedica um tempo significativo para desvendar as complexidades internas que impulsionam as ações de personagens em ambos os lados da luta. Essa abordagem humaniza figuras que, em outras iterações de Star Wars, poderiam ter permanecido como arquétipos. Do lado da crescente Rebelião, vemos uma diversidade de motivações que transcendem um idealismo puro e abstrato.
Cassian, inicialmente, é movido pela sobrevivência e por um senso de deslocamento e raiva contra o sistema que o oprimiu. A sua jornada para o engajamento na causa rebelde é gradual, marcada por perdas e pela crescente consciência da brutalidade imperial. Outros personagens rebeldes são impulsionados por vingança pessoal, pela defesa de suas comunidades, ou pela crescente indignação diante de uma injustiça que se mostra sistêmica. A série não romantiza a Rebelião; mostra a fragilidade, a desconfiança e os sacrifícios dolorosos que acompanham a formação de um movimento de resistência. As motivações são frequentemente pragmáticas e enraizadas em experiências concretas de opressão, com nenhum receio de espelhar casos reais – como o levante de Ghorman.

O machado esquece, mas a árvore se lembra
Concomitantemente, Andor mergulha nas engrenagens do Império, e não trata os oficiais como figuras uniformizadas e unidimensionais. O casal Syril Karn e Dedra Meero são o rosto disso. Syril (Kyle Soller) – consumido por inseguranças e obsessões -, antes impulsionado por um desejo de ordem e reconhecimento em Ferrix, vai adquirindo empatia pelos cidadãos de Ghorman enquanto indivíduos, em primeiro lugar; e, por conseguinte, com a sua causa libertária.
A série também expõe a burocracia sufocante e o medo paralisante que permeiam as fileiras imperiais. Oficiais são mostrados preocupados com a manutenção do status quo, O medo da punição e a rigidez do sistema impedem a inovação e a empatia, criando um ambiente onde a ineficiência e a brutalidade podem coexistir. Essa representação sutil evita a caricatura, mostrando como um sistema opressor pode moldar e corromper os seus próprios agentes.

É nesse cenário que se insere Dedra (Denise Gough). Ela representa a inteligência afiada e a determinação em ascender dentro da hierarquia imperial, navegando por um sistema burocrático e sexista. Os seus métodos, embora cruéis, são apresentados como resultado de uma lógica fria e de uma necessidade de provar seu valor. Em contraste com o seu marido, a personagem se mantém mais resistente à empatia. O seu foco é maior, e isso poda quase por completo a sua empatia. Ainda assim, a personagem não é unidimensional, pois o resultado disso é uma completa implosão em seu emocional – como não poderia deixar de ser.
O poder não entra em pânico
O casal também é responsável por uma combinação de eventos que impulsionam o protagonista. Na verdade, isso define o arco de Cassian: circunstâncias. O órfão de Kenari é impulsionado o tempo todo, e nisso se dá a sua transformação de um indivíduo egoísta e desiludido para um participante ativo na luta contra a tirania. Essa jornada é marcada por experiências cruciais, como a missão em Aldhani e, finalmente, a prisão em Narkina 5 – que o confronta com a desumanidade do sistema imperial em sua forma mais extrema.

Cassian não é um herói idealizado. Mesmo após se juntar à Rebelião, ele age muitas vezes por necessidade ou por um senso de responsabilidade para com aqueles com quem lutou. Mesmo após o pragmatismo cínico e a desconfiança com qualquer forma de autoridade que definem o personagem no início, ele permanece marcado constantemente por dúvidas, erros e momentos de escuridão.
Diego Luna entrega uma performance muito consistente como Andor, que captura a transformação gradual do personagem de modo convincente. Ele evita qualquer traço de heroísmo fácil, mantendo a complexidade moral do personagem em primeiro plano. No início da série, o ator retrata Cassian com uma fisicalidade tensa e um olhar esquivo, que transmite a necessidade de estar em alerta e a desconfiança do(s) mundo(s) ao redor. À medida que se envolve cada vez mais com a Rebelião, Luna sutilmente transforma a sua postura e expressão, com uma determinação nos olhos e uma firmeza crescente na voz.
A morte da verdade é o triunfo máximo do mal
O maior destaque da série, porém, mais do que o seu protagonista, é Mon Mothma. Genevieve O’Reilly foi escolhida para interpretá-la antes de 2005, pelo próprio George Lucas. A personagem foi originalmente vivida por Caroline Blakiston em O Retorno de Jedi, mas Lucas escolheu O’Reilly para fazer a sua versão jovem em A Vingança dos Sith. A cena foi deletada, pois já mostrava o início da Aliança Rebelde nas mãos do trio Padme, Mothma e Organa. Felizmente, a atriz retornou em Rogue One, em uma aparição breve. Graças a ela, as portas foram abertas para o seu retorno definitivo ao papel em Andor e Ahsoka (a personagem deverá ter um papel ainda maior nas próximas produções que se passam no “universo” de Dave Filoni e Jon Favreau).

Aqui, a personagem emerge como uma personagem central, navegando pelas perigosas correntes da política imperial enquanto secretamente planta as sementes da Rebelião. Uma das maiores conquistas de Andor é humanizar Mon Mothma, desvendando a mulher por trás da líder política. Vemos o abismo entre a sua persona pública como senadora respeitada e a sua vida privada cada vez mais tensa e arriscada. As cenas em sua luxuosa residência em Coruscant, contrastando com os encontros furtivos e as negociações secretas, ilustram a (sufocante) dualidade dessa existência.
O subtexto está presente ao longo de toda a série, mas o arco de Mothma domina essa arte. A inteligência perspicaz e a astúcia política da personagem são palpáveis, e as suas interações com outros senadores e oficiais imperiais são carregadas desse subtexto. Cada palavra é cuidadosamente escolhida para manter as aparências enquanto ela articula os seus movimentos nos bastidores. A personagem equilibra a firmeza de suas convicções com a necessidade de pragmatismo e cautela, provando-se uma líder que entende a complexidade do jogo político e os riscos envolvidos.

Genevieve O’Reilly – amparada pelo excelente roteiro de Tony e Dan Gilroy – redefine a personagem, entregando uma performance nuanceada e poderosa, que revela as camadas ocultas por trás da figura serena e eloquente que conhecemos em 1983. A sua atuação é marcada por uma contenção elegante, onde cada olhar, cada pausa e cada inflexão de voz carregam o peso dos seus segredos e a urgência da sua missão clandestina. A atriz transmite de forma sutil o estresse constante de viver sob o olhar vigilante do Império, o medo de ser descoberta e a crescente solidão imposta por suas escolhas.
No entanto, a performance de O’Reilly vai além da mera manipulação estratégica. Ela revela a bússola moral inabalável de Mothma e o profundo custo pessoal de sua resistência. As cenas com seu marido, Perrin Fertha (Alistair Wright), são particularmente sufocantes, e expõem as tensões em seu casamento causadas pelos seus segredos e pela crescente paranoia do Império. O’Reilly transmite a dor silenciosa de Mothma, ao sacrificar a vida familiar em prol de uma causa maior.
Fraternidade… Amor… Desisti de toda chance de paz interior
O fio condutor de todos esses – agora – riquíssimos personagens é Luthen Rael (Stellan Skarsgård). Longe dos ideais puristas, Luthen opera nas sombras, tomando decisões difíceis e moralmente cinzentas para impulsionar a luta contra o Império. Ele personifica a necessidade de sacrifícios e a disposição de sujar as mãos em nome de um objetivo maior. Por possuir uma inteligência afiada e uma visão estratégica clara, ele compreende a necessidade de construir uma resistência coesa a partir de focos isolados de descontentamento; e mais uma vez isso é essencial para o arco de Ghorman, que vira a série do avesso. A dedicação à causa é inabalável, beirando a obsessão, e ele demonstra uma disposição implacável para eliminar qualquer ameaça aos seus planos.

A sua interação com Cassian é o ponto de inflexão que lança o protagonista em sua jornada, ilustrando como a luta contra a tirania muitas vezes exige escolhas difíceis e alianças inesperadas. Rael personifica a ideia de que a liberdade tem – sempre – um preço. Ele não busca a redenção de Cassian, mas sim a sua utilidade. Ele o desafia, o testa e o expõe à brutalidade da luta contra o Império. Em troca, ele oferece a Cassian um senso de pertencimento e um direcionamento para sua raiva e sua habilidade de sobrevivência.
Já as suas interações com Mon Mothma são carregadas de tensão e respeito mútuo. Ela apresenta um misto de admiração pela audácia de Luthen com a apreensão diante dos seus métodos extremos.
Skarsgård, o fabricante de talentosos atores escandinavos, transmite com maestria a dualidade do personagem: o antiquário charmoso e culto que serve de fachada para o agente rebelde implacável. A fisicalidade de Skarsgård também contribui para a aura de perigo e competência do personagem. Os seus movimentos são precisos, e a postura exala uma autoridade silenciosa. Mesmo em momentos de calma aparente, há uma energia latente sob ele, para sugerir a violência que ele é capaz de praticar.

Calma. Bondade. Fraternidade. Amor. Desisti de toda chance de paz interior. Transformei minha mente em um lugar sem luz. Compartilho meus sonhos com fantasmas.
Acordo todos os dias com uma equação que escrevi há 15 anos, da qual só há uma conclusão: estou condenado pelo que faço. Minha raiva, meu ego, minha relutância em ceder, minha ânsia de lutar, tudo isso me colocou em um caminho sem volta. Ansiava ser um salvador contra a injustiça sem contemplar o custo e, quando olhei para baixo, já não havia mais chão sob meus pés. Qual é o meu sacrifício?
Estou condenado a usar as ferramentas do meu inimigo para derrotá-lo. Queimo minha decência pelo futuro de outra pessoa. Queimo minha vida para criar um amanhecer que sei que nunca verei. E o ego que iniciou essa luta nunca terá um espelho, uma plateia ou a luz da gratidão. Então, o que eu sacrifico? Tudo! – Luthen Rael
A opressão é a máscara do medo
O elenco de Andor entrega performances excepcionais em todos os níveis, e isso inclui o elenco de apoio. Adria Arjona traz uma intensidade vulnerável a Bix Caleen, e Elizabeth Dulau, na segunda temporada com maior tempo de tela, deixa a sua marca como Kleya Marki. Mesmo atores com participações menores conferem profundidade e humanidade aos seus personagens, como Ben Mendelsohn (Orson Krennic, um dos melhores personagens da saga), Joplin Sibtain (Brasso), Fiona Shaw (Maarva) e Andy Serkis (da primeira temporada), Anton Lesser como o burocrata Major Partagaz, Faye Marsay e Varada Sethu como o casal Vel Sartha e Cinta Kaz, Alaïs Lawson e Richard Sammel como Enza e Carro Rylanz, Benjamin Bratt pela primeira vez como Bail Organa (originalmente interpretado por Jimmy Smits), Forest Whitaker reprisando o seu papel como Saw Gerrera; e, por fim, Alan Tudyk em seu triunfal retorno à dublagem de K2SO. A riqueza dessas performances – dentre tantas outras, não mencionadas – contribui significativamente para a imersão e o impacto emocional da série.

A revolução não é para os sensatos. Olhe para nós. Não amados. Caçados. Bucha de canhão. Estaremos todos mortos antes que a República volte e, ainda assim… aqui estamos nós.– Saw Gerrera
Mérito concomitante, porém, é o da direção – no caso, no plural -, capaz de extrair essas interpretações e de traduzir da melhor forma o roteiro para a tela. A direção de diversos episódios, incluindo a do próprio Tony Gilroy, é notável pela sua abordagem cinematográfica e pela atmosfera sombria e realista que confere à série. Câmeras muitas vezes estáticas e planos longos permitem que o espectador absorva a opressão dos ambientes e a angústia dos personagens. A estética evita o excesso de efeitos especiais gratuitos, priorizando a imersão em locações palpáveis e a crueza das situações.
O maior destaque vai para o diretor Janus Metz Pedersen, sobretudo nos episódios 8 e 9 da segunda temporada, que constituem o ápice do arco de Ghorman e a sua consequência definitiva para Mon Mothma e a Rebelião.

O cineasta dinamarquês utiliza um ritmo narrativo cadenciado, permitindo que a tensão se acumule gradualmente, culminando no genocídio em Palmo. Ele utiliza close-ups e um ritmo contemplativo para permitir que as nuances das performances dos atores brilhem – com especial destaque para Kyle Soller -, especialmente nos momentos de conflito interno e nas interações carregadas de tensão.
A estética crua e realista que define Andor é mantida e aprimorada por Pedersen. As locações e os cenários são filmados de forma a enfatizar a sua autenticidade, imergindo o espectador no mundo sombrio e perigoso da crescente rebelião. As sequências de ação, quando ocorrem, são filmadas com um senso de urgência e impacto, sem a estilização excessiva de outras produções de Star Wars.

A arquitetura e os cenários são igualmente impressionantes, transmitindo a grandiosidade fria do Império e a rusticidade dos planetas periféricos. A sensação de que esses são lugares reais, com uma história pregressa e consequências presentes, é palpável.
Por fim, a trilha sonora de Brandon Roberts e Nicholas Britell é um dos pilares da atmosfera tensa e emocional da série. Abandonando as fanfarras épicas tradicionais de Star Wars, optam por composições mais minimalistas, muitas vezes utilizando instrumentos de percussão e cordas dissonantes para criar uma sensação de apreensão constante. A música sublinha a urgência e o drama das situações sem nunca se sobrepor à narrativa, intensificando o impacto emocional das cenas cruciais.
Nós somos Ghor! A galáxia está vendo!
Parte da beleza de uma boa narrativa reside na maestria com que ela tece a tapeçaria do crescendo, uma ascensão lenta e deliberada da emoção e do conflito. É como a aurora que se expande no céu noturno, cada nuance de cor intensificando a promessa do sol pleno. A história não é uma linha reta, mas uma espiral ascendente, onde cada volta nos aproxima do ápice inevitável. Para Andor, esse é o Massacre de Ghorman, inexorável.

A cultura de Ghorman traz inspirações da França, enquanto a Frente Ghorman remete a diversos movimentos de resistência da Segunda Guerra Mundial – e, claro, à Revolução Francesa. O massacre retratado no oitavo episódio evoca a revolução argelina contra os colonizadores franceses em meados do século passado, a Resistência Francesa contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial; e carrega semelhanças com os trágicos eventos do Euromaidan, em Kiev, em 2014. Neste último, forças policiais fortemente armadas preparam-se para agir com violência mortal. Em suma, a receita para o genocídio consiste na propaganda e desinformação, uma pitada de xenofobia, uma mídia servil e políticos oportunistas, e a sede de sangue militarista.
Os insurgentes não percebem que estão exatamente onde o Império queria. Milhares de Ghor marcham rumo à praça de Palmo e protestam contra a ocupação. “Nós somos Ghor! A galáxia está vendo!”, bradam em uníssono enquanto avançam. Aproveitando-se da situação, o Império envia um pelotão de soldados inexperientes para conter a multidão. É aí que Dedra, com o coração na mão, ordena que um agente infiltrado mate um policial, justificando e forjando uma resposta violenta por parte das forças imperiais.

A confusão rapidamente se transforma em um banho de sangue, enquanto os manifestantes são atacados indiscriminadamente. Droids da série KX são liberados para finalizar a operação. Nos noticiários controlados pelo Império, a narrativa é manipulada para apresentar a ação como uma intervenção heróica contra um suposto levante rebelde.
Mothma e Bail Organa sabem, obviamente, que o relato oficial é uma mentira. Mon prepara um discurso contundente, sabendo que as suas palavras marcá-la-ão como inimiga do Estado. A fuga para o refúgio de Yavin 4 era iminente. A Rebelião ganha um novo capítulo.

Eu me levanto esta manhã com uma mensagem difícil. Acredito que estamos em crise. A distância entre o que é dito e o que se sabe ser verdade tornou-se um abismo.
De todas as coisas em risco, a perda de uma realidade objetiva é talvez a mais perigosa. A morte da verdade é a vitória definitiva do mal. Quando a verdade nos deixa, quando permitimos que ela nos escape, quando é arrancada de nossas mãos, tornamo-nos vulneráveis ao apetite do monstro que grita mais alto. O domínio desta Câmara sobre a verdade foi finalmente perdido na Praça de Ghorman.
O que aconteceu ontem… o que aconteceu ontem em Ghorman foi genocídio não provocado! Sim! Genocídio! E essa verdade foi banida deste plenário! E o monstro que grita mais alto? O monstro que ajudamos a criar? O monstro que virá atrás de todos nós em breve é o Imperador Palpatine! – Mon Mothma
Então, o que eu sacrifico? Tudo!
No ballet das palavras e imagens, o crescendo se manifesta como a melodia que ganha corpo, notas esparsas que se unem em um tema vibrante, a orquestra que eleva o seu tom gradualmente, envolvendo o ouvinte em uma onda sonora crescente. Cada obstáculo superado e segredo revelado é um passo nessa dança em direção ao clímax.

O clímax. O instante suspenso onde todas as tensões convergem. É o nó da história que se aperta até quase romper, carregado de promessas de resolução, de catarse, de verdade finalmente revelada. Há uma beleza selvagem nesse instante, a força concentrada de tudo o que foi construído, a libertação da energia narrativa que nos prendeu até aquele momento.
O último arco de Andor carrega a beleza dessa convergência que nos leva diretamente a Rogue One (e, por conseguinte, a Uma Nova Esperança). A confluência, ainda, não se dá apenas narrativamente, mas em cada detalhe da produção; com delicada atenção e esmero a cabelos, figurinos e maquiagem. Afinal, o audiovisual é isso: a imagem nos mostra aquilo que o texto não precisa; e este nos conta aquilo que a imagem não dá conta de mostrar. Mon Mothma e Cassian estão exatamente com o mesmo visual do longa de 2016, e Yavin está com mais vida do que nos episódios anteriores; pronta para receber Jyn Erso e, pouco depois, Luke Skywalker.

Mas se a franja de Mothma não é o bastante para amarrar Andor a Rogue One, o texto enlaça as pontas soltas com igual esmero, quando Jung traz a Luthen as informações primárias a respeito da Estrela da Morte. O legado – e a origem – de Rael (ou seria o fim de Lear?) e Kleya, bem como esta nova ameaça fantasma, são o mote do arco final; e a partir dele fluem os desfechos de categoricamente cada arco ou personagem – até mesmo de um Perrin Fertha vivendo o post-nut clarity. Kleya, aqui, é tratada com mais respeito do que nunca; o que nos prova que nunca é tarde para nos apegarmos ainda mais aos personagens.
Krennic retorna mais uma vez, austero e imponente como nunca. A sua presença denota a gravidade da situação em uma espécie de retroalimentação, pois isso imprime suntuosidade ao personagem, ao passo que este empresta severidade ao contexto. Apesar do sucesso de seu personagem e de K2SO, a série acerta em não abusar do uso dos dois. Algumas comidas são tão saborosas, que devemos deixar para comer apenas em ocasiões especiais.

Mesmo após o clímax, a beleza persiste no eco que deixa, nas ondas que se propagam na sua esteira. A beleza do crescendo e do clímax reside, portanto, não apenas no ápice em si, mas na jornada que o precede e nas consequências que dele emanam, na forma como a narrativa nos eleva e nos transforma por meio dessa dança da tensão e da libertação. Se a ideia era Rogue One ser o clímax e Andor a jornada, eles falharam, pois a segunda temporada da série é um clímax por si só, sobretudo em sua segunda metade, com o pay-off de todos os arcos e personagens.
Queimo a minha vida para criar um amanhecer que sei que nunca verei
Os cenários dessa galáxia distante, com as suas vastas paisagens e intrincados jogos de poder, muitas vezes espelham as complexidades da nossa própria história e política. A luta da Aliança Rebelde contra o Império Galáctico ressoa com ecos de levantes contra regimes autoritários, de indivíduos e grupos que se recusam a ter sua liberdade cerceada. Essa identificação com as lutas do nosso mundo é um dos pilares que tornam a saga tão atemporal e relevante.

A beleza da Rebelião reside na sua capacidade de inspirar. Vemos indivíduos comuns, de diferentes origens e com diferentes habilidades, unindo forças por uma causa que transcende seus próprios interesses. A coragem de Luke Skywalker, a liderança de Leia Organa, a lealdade de Han Solo – cada personagem contribui para um mosaico de resistência que nos ensina sobre a importância da união e da perseverança na busca por um mundo mais justo.
A resposta à tirania nunca é fácil, e a Rebelião ilustra bem isso. As perdas, os sacrifícios e a constante ameaça apenas reforçam a importância da liberdade e da democracia. A saga nos convida a refletir sobre o valor desses princípios e a reconhecer a coragem daqueles que se levantam contra a injustiça, mesmo diante de probabilidades aparentemente impossíveis. É nessa representação da luta pela liberdade que reside grande parte do fascínio duradouro e da relevância cultural de Star Wars.
Nota: 5/5