A franquia “Highlander” transcende o mero entretenimento para se tornar um verdadeiro fenômeno cult, solidificando o seu lugar na cultura pop com uma premissa tão simples quanto grandiosa: imortais vivendo entre nós, travando uma guerra secreta há milênios, onde “Só Pode Haver Um”.
Desde o longa original de 1986, essa saga nos mergulhou em um universo onde a vida eterna é tanto uma bênção quanto uma maldição, repleta de duelos de espadas espetaculares, trilhas sonoras icônicas e personagens que desafiam as eras. É um convite a explorar a solidão de quem nunca morre e a complexidade de um jogo milenar pela recompensa final, um poder inimaginável que aguarda o último Imortal de pé.
A essência de “Highlander” reside na eterna batalha entre os Imortais, seres que não podem morrer a não ser por decapitação. Eles se enfrentam em duelos mortais, buscando absorver a energia vital de seus oponentes, em um evento místico conhecido como Quickening. Essa energia se acumula, tornando-os mais fortes e, eventualmente, levando à “Reunião” – um momento predito em que os poucos Imortais restantes se encontrarão para uma batalha final, onde o último de pé ganhará um poder inimaginável.
Essa mitologia rica e violenta, entrelaçada com a história humana através dos séculos, é o que mantém a franquia vibrante e relevante para os fãs, oferecendo uma janela para as consequências existenciais de uma vida sem fim. A cada vitória, o Imortal absorve não apenas a energia, mas também memórias e habilidades de seu oponente, criando uma colcha de retalhos de experiências que molda quem eles são.
A Lenda dos Imortais
No coração da franquia “Highlander” reside uma premissa fascinante e brutal: a existência de seres imortais que vivem secretamente entre a humanidade, incapazes de morrer de causas naturais ou envelhecer após sua “primeira morte”. O único meio de matá-los é a decapitação. Essa regra fundamental estabelece as bases para um universo de duelos mortais, onde a vida eterna não é um dom pacífico, mas uma existência de constante vigilância e combate.

A cada Imortal decapitado, sua energia vital e conhecimento são transferidos para o vencedor em um fenômeno eletrizante e violento conhecido como Quickening, que muitas vezes se manifesta como uma explosão de luzes e sons. Essa acumulação de poder é o motor da sua existência e a razão por trás da máxima que ecoa por toda a saga: “Só Pode Haver Um”, uma profecia e uma sentença que guia suas vidas e suas batalhas incessantes através das eras.
As regras do jogo são poucas, mas absolutas, forçando os Imortais a viverem à margem da sociedade mortal. Eles não podem lutar em solo sagrado, como igrejas ou cemitérios, um pacto ancestral que, embora muitas vezes quebrado, ainda serve como um limite moral (ou de conveniência) para muitos. Além disso, existe a predição da “Reunião”, um período no tempo em que os poucos Imortais restantes serão irresistivelmente atraídos para um local específico – na maioria das vezes, para a cidade de Nova York – para uma série de confrontos finais.
O último Imortal de pé na Reunião ganhará a “Recompensa” – um poder que lhes dará o conhecimento de tudo o que aconteceu e tudo o que está por vir, e a capacidade de influenciar o destino da humanidade para o bem ou para o mal. Essa tensão entre a busca pelo poder e a solidão inerente à imortalidade é central para a narrativa, mostrando Imortais que se tornam benfeitores da humanidade, outros que são indiferentes, e alguns que se transformam em monstros cruéis.
Os personagens chave que personificam essa lenda são o escocês Connor MacLeod, o protagonista relutante que descobre sua imortalidade em 1536 após ser “morto” em batalha, e o seu mentor, o sofisticado e sábio Juan Sánchez Villa-Lobos Ramírez, um Imortal egípcio (com sotaque espanhol, curiosamente interpretado por Sean Connery) que o guia pelas regras do jogo e o prepara para a Reunião, tornando-se uma figura paterna e um guia espiritual em sua longa e solitária existência, transmitindo-lhe não apenas técnicas de luta, mas também lições sobre a ética e o fardo de ser Imortal.
“Highlander” (1986): O Cult Que Deu Início a Tudo
O filme original “Highlander”, lançado em 1986, é a pedra fundamental de toda a franquia e rapidamente se tornou um cult, apesar de uma recepção inicial modesta e, por vezes, confusa por parte da crítica e do público mainstream da época. Sua sinopse principal nos transporta através de séculos, entrelaçando passado e presente de forma dinâmica e envolvente.

A história começa na Escócia do século XVI, onde Connor MacLeod (Christopher Lambert), um guerreiro das Terras Altas, é mortalmente ferido em batalha contra o clã Fraser. Para o espanto do seu povo, ele ressuscita ileso, revelando sua imortalidade. Exilado de seu clã por ser considerado um demônio, ele encontra o seu mentor, Ramírez (Sean Connery), que o treina nas artes da espada e nas complexas regras do jogo, ensinando-o a sobreviver em um mundo onde a única certeza é a próxima batalha.
A narrativa salta vertiginosamente para a Nova York dos anos 80, onde Connor, agora um discreto antiquário sob o nome de Russell Nash, é forçado a confrontar seu maior e mais implacável inimigo, o brutal Kurgan (Clancy Brown), um Imortal selvagem e implacável que o persegue há séculos, em preparação para a iminente Reunião.
A alternância entre flashbacks históricos vívidos e a ação presente na metrópole moderna cria uma tapeçaria rica e temporal, explorando a melancolia, a sabedoria e a dor acumulada por Connor ao longo de séculos, enquanto ele se prepara para o confronto final.
Dirigido pelo australiano Russell Mulcahy, o filme se destaca pela sua direção estilizada e inovadora para a época, caracterizada por cortes rápidos, movimentos de câmera dinâmicos e uma fotografia que eleva os duelos de espada a um patamar quase artístico. Mulcahy utiliza efeitos visuais práticos e uma iluminação dramática para criar uma atmosfera única, que mistura o épico histórico com o noir urbano.
Christopher Lambert encarna Connor MacLeod com uma intensidade e um olhar melancólico que capturam perfeitamente a essência de um homem que viveu demais, carregando o peso de séculos de perdas e batalhas. Sua performance, que oscila entre a fúria do guerreiro e a resignação do Imortal, é crucial para a ressonância emocional do filme.
No entanto, é a presença icônica e inesquecível de Sean Connery como Ramírez que rouba a cena, infundindo o filme com carisma, humor, sagacidade e uma profunda sabedoria, tornando-o um mentor inesquecível e um dos pilares emocionais da narrativa. A química entre Lambert e Connery é palpável e contribui significativamente para o apelo duradouro do filme.
Mas talvez o elemento mais distintivo e impactante de “Highlander” seja a trilha sonora inesquecível da lendária banda britânica Queen. Com músicas originais compostas especificamente para o filme, como “Princes of the Universe” (tema de abertura e hino dos Imortais), a balada melancólica “Who Wants to Live Forever” (que encapsula a dor da imortalidade), e a energizante “A Kind of Magic”, a banda não apenas compôs faixas que se tornaram sinônimo do filme, mas também criou uma atmosfera épica, dramática e emotiva que elevou cada cena, tornando-se parte integrante da identidade e do sucesso cult da obra.
A recepção inicial do filme nos cinemas foi morna, mas ele floresceu exponencialmente no mercado de vídeo e na televisão, ganhando rapidamente um status de cult clássico e construindo uma base de fãs dedicada que perdura até hoje, solidificando o seu lugar na história do cinema de fantasia e aventura como um marco inegável.
A Expansão do Universo Highlander: A Franquia e Suas Mídias
Após o sucesso cult e o fervor dos fãs pelo filme original, a franquia “Highlander” tentou expandir o seu universo, com resultados variados que exemplificam os desafios inerentes de capitalizar sobre um sucesso inesperado e de manter a coerência de uma mitologia complexa. As sequências cinematográficas foram, em sua maioria, recebidas com ceticismo pela crítica e, de forma ainda mais contundente, pelos fãs mais fervorosos.

“Highlander II: The Quickening” (1991), por exemplo, é frequentemente citado como um dos piores exemplos de sequências mal concebidas, introduzindo uma origem alienígena para os Imortais, com a premissa de que eles eram exilados de um planeta distante, e outras reviravoltas na mitologia que foram amplamente rejeitadas e consideradas um desserviço à simplicidade, misticismo e mistério do primeiro filme.
“Highlander III: The Sorcerer” (1994) tentou deliberadamente ignorar os eventos do segundo filme e retornar às raízes mais terrenas e míticas do original, mas, apesar das boas intenções, falhou em recapturar a mesma magia e o impacto emocional. Já “Highlander: Endgame” (2000) e “Highlander: The Source” (2007) continuaram a saga de Connor e, em “Endgame”, introduziram o personagem da popular série de TV, Duncan MacLeod, em um esforço para unificar as narrativas, mas, infelizmente, não conseguiram revitalizar a franquia nos cinemas, tornando-se cada vez mais distantes do brilho inicial e da qualidade artística que definiram o primeiro filme.
No entanto, foi na televisão que “Highlander” encontrou um terreno fértil e uma longevidade surpreendente, provando que a premissa era forte o suficiente para sustentar narrativas contínuas. A série de TV “Highlander: A Série” (1992-1998), estrelada por Adrian Paul como Duncan MacLeod, um Imortal escocês e primo de Connor, é talvez a extensão mais bem-sucedida, amada e aclamada pela crítica e pelos fãs da franquia. A série expandiu o universo de forma inteligente e consistente, apresentando uma vasta galeria de novos Imortais, explorando diferentes épocas e culturas através de flashbacks bem elaborados, e aprofundando os temas de imortalidade, moralidade, redenção e a intrínseca solidão de viver eternamente.
Duncan, como protagonista, ofereceu uma perspectiva mais contemplativa, ética e altruísta em comparação com o Connor mais sombrio dos filmes, permitindo que a série explorasse os dilemas éticos de viver para sempre de uma forma mais contínua e matizada.
Além da série principal, o universo se expandiu para animações (“Highlander: The Animated Series”, que se passava em um futuro pós-apocalíptico, e “Highlander: The Search for Vengeance”, um anime com um estilo visual distinto), que ofereceram novas narrativas e estilos visuais, quadrinhos que exploraram histórias paralelas e aprofundaram a mitologia, livros que expandiram os arcos dos personagens e até videogames.
Essa proliferação de mídias demonstra o apelo duradouro da premissa central de “Highlander” e a capacidade dos criadores de adaptar a história a diferentes formatos e audiências, mesmo que nem todas as tentativas tenham sido igualmente bem-sucedidas ou consistentes em qualidade. A série de TV, em particular, conseguiu construir um legado próprio, rivalizando em popularidade com o filme original para muitos fãs.
Temas Recorrentes e Simbolismos em Highlander
Um dos temas mais pungentes e recorrentes em “Highlander” é a natureza da imortalidade: seria ela uma bênção ou uma maldição? Para os Imortais, a vida eterna significa presenciar o fluxo da história, acumular vasta sabedoria, dominar inúmeras habilidades e vivenciar aventuras extraordinárias através dos séculos.
Eles são testemunhas silenciosas da evolução da humanidade, dos seus triunfos e das suas quedas. No entanto, essa eternidade vem acompanhada de uma solidão avassaladora e uma perda incessante e inevitável. Eles veem entes queridos – esposas, filhos, amigos mortais – surgirem, envelhecerem e desaparecerem, enquanto eles próprios permanecem inalterados, condenados a observar a passagem do tempo de uma perspectiva eterna.

O peso de testemunhar a efemeridade da vida mortal, a dor de se apaixonar sabendo que a pessoa amada envelhecerá e morrerá em seus braços, e a impossibilidade de construir laços duradouros ou de ter uma vida “normal” sem revelar a sua natureza secreta, transformam a imortalidade em um fardo pesado, uma prisão dourada. Essa dualidade é explorada profundamente, especialmente no filme original e na série de TV, onde Connor e Duncan MacLeod lidam com a melancolia, a culpa e a resignação das suas longas existências.
Além da imortalidade, a franquia explora intensamente a honra e o código de conduta que regem a vida dos Imortais. Apesar de serem guerreiros mortais em busca do Quickening, muitos deles (especialmente os MacLeods e Ramírez) aderem a um conjunto de princípios, mesmo que não escritos, que os distinguem dos mais selvagens e cruéis. Há um respeito mútuo entre os que seguem as regras, um reconhecimento da bravura, e um desprezo pelos que caem para o lado da crueldade, como Kurgan, que personifica a barbárie e a ausência de honra.
A natureza da batalha, que é um duelo de espadas altamente pessoal, ritualístico e muitas vezes cerimonial, serve como um microcosmo para esses temas. Não é apenas sobre matar, mas sobre provar ser o melhor, o mais habilidoso, o mais digno de sobreviver e de continuar a lenda. O peso da história e da memória é outro simbolismo crucial. Ser eterno significa carregar séculos de experiências, erros, arrependimentos e aprendizados.
Cada Imortal é um arquivo vivo de eras passadas, com uma bagagem cultural e histórica que molda as suas personalidades, suas perspectivas sobre o mundo e a humanidade, e suas escolhas. Essa memória coletiva e individual é uma parte intrínseca de sua identidade, e a perda dela (como visto em alguns casos de amnésia) é tão devastadora quanto a própria morte.
O confronto entre tradição e modernidade é um tema visual e narrativo constante, especialmente no filme original. Ver Connor, um guerreiro do século XVI que ainda empunha uma espada, navegando pelas ruas e arranha-céus de uma Nova York dos anos 80, ou Duncan lidando com a tecnologia e a cultura do século XX e XXI, cria um contraste fascinante que realça a atemporalidade dos Imortais e, paradoxalmente, a velocidade vertiginosa das mudanças no mundo mortal.
Essas camadas temáticas são o que dão a “Highlander” a sua profundidade e apelo duradouro, transformando uma premissa de ação em uma meditação rica sobre a condição humana, a ética da vida e da morte, e a busca por propósito em uma existência sem fim.
O Legado e a Influência Cultural de Highlander
O legado de “Highlander” se estende muito além das telas, firmando-se como uma franquia de impacto cultural duradouro e uma referência constante no universo da fantasia e do cinema de ação. Seu impacto no gênero de fantasia e ação é inegável, popularizando a ideia de guerreiros imortais vivendo ocultos na sociedade e influenciando inúmeras outras obras com temas semelhantes de vida eterna, duelo de espadas, a busca por um poder final e a exploração de diferentes épocas históricas através de flashbacks.
A fusão inovadora de elementos históricos, fantasia urbana e ficção científica (especialmente nas sequências, mesmo que controversas) criou um subgênero distinto que ecoou em outras produções cinematográficas, televisivas e literárias, pavimentando o caminho para narrativas complexas que misturam eras e gêneros.
O filme de 1986, em particular, com sua edição frenética, cinematografia arrojada, a inconfundível trilha sonora vibrante e as sequências de luta coreografadas com maestria, estabeleceu um padrão para a representação de duelos épicos e se tornou um ponto de referência estético e narrativo para a cultura pop em geral.
Além da sua influência genérica, “Highlander” é repleto de frases icônicas e cenas memoráveis que se tornaram parte do léxico dos fãs e da cultura popular. A mais famosa, a supracitada “Só Pode Haver Um” (“There Can Be Only One”), é um bordão universalmente reconhecido que encapsula toda a premissa existencial e competitiva da franquia.
Outras, como “Eu sou Highlander!” proferidas por Connor ou as citações sábias de Ramírez sobre a natureza do Quickening e as regras do jogo, são instantaneamente associadas ao filme, evocando a essência de seus personagens. As cenas de luta com espadas, especialmente os duelos eletrizantes e aterrorizantes com Kurgan, que combinam brutalidade com um toque sobrenatural, permanecem gravadas na memória dos espectadores, destacando o talento dos coreógrafos e dos atores.

A comunidade de fãs de “Highlander” é incrivelmente dedicada e apaixonada, mantendo a chama da franquia acesa por décadas através de convenções anuais que reúnem o elenco e a equipe, sites de fãs meticulosos, grupos de discussão online vibrantes e a celebração contínua dos elementos que tornam a série tão especial e perene. Essa lealdade fervorosa dos fãs é um testemunho da profundidade dos personagens, da riqueza da mitologia e da ressonância dos temas explorados ao longo de todos esses anos.
Quanto ao futuro de Highlander, o legado continua a ser cultivado e, ao que parece, reinventado. Há anos, remakes e reboots são anunciados e discutidos, com nomes de peso, como o de Henry Cavill, sendo consistentemente associados a novas versões da história, indicando que Hollywood ainda vê um potencial imenso e inexplorado no universo dos Imortais.
O remake de Highlander inicialmente seria produzido pela Lionsgate, mas migrou da para a Amazon/MGM, dado que este estúdio tem apostado em IPs mais nostálgicas. O nome de Cavill foi associado ao reboot de Highlander em maio de 2021, mas pouco progresso foi feito até outubro de 2023, quando a Lionsgate anunciou oficialmente que seguiria com o reboot com Cavill como Connor; com Chad Stahelski – que está ligado ao projeto desde 2016 – na direção. As últimas notícias são que Stahelski, diretor da franquia John Wick, em uma nova conversa com o Collider, sugeriu que o longa poderia estrear em 2027 ou 2028.
A simples ideia de uma nova adaptação prova a perenidade da franquia e o fascínio que ela continua a exercer sobre as novas gerações. Isso garante que a lenda do Cavaleiro das Terras Altas não morrerá tão cedo, prometendo que novas eras trarão novos duelos e novas interpretações de uma história que, ironicamente, é sobre a eternidade.
Conclusão
“Highlander” é mais do que uma série de filmes e programas de TV; é uma saga que mergulha nas profundezas da existência humana, mesmo que através dos olhos de seres imortais. A sua mitologia rica, seus personagens carismáticos e a exploração de temas universais como a solidão, a honra, o peso da história e a busca pelo propósito em uma vida que não tem fim, garantem que seu legado continue a ressoar.
A “Reunião” pode ser a batalha final dos Imortais, o derradeiro confronto pelo poder supremo, mas a lenda de “Highlander” parece estar, ela própria, destinada à imortalidade. A sua capacidade de se adaptar, de inspirar e de continuar a gerar discussões e fascínio é a verdadeira recompensa para seus criadores e fãs, mantendo viva a chama de uma das mais originais e duradouras franquias de fantasia da cultura pop.