Como Treinar o Seu Dragão (2025) | Crítica

Como Treinar o Seu Dragão é um daqueles filmes que transcendem o seu público-alvo inicial, oferecendo uma experiência rica tanto para crianças quanto para adultos. O remake live-action de 2025 — produzido pela DreamWorks Animation e Marc Platt Productions, com distribuição da Universal Pictures — é uma celebração do clássico de 2010 e do livro original de Cressida Cowell, trazendo a amada história de Soluço e Banguela para uma nova mídia sem perder em nada a essência que conquistou tantos. A escolha de permanecer fiel ao material original, com Dean DeBlois retornando à direção e John Powell novamente responsável pela trilha sonora, elucida essa intenção.

Ambientado na fictícia ilha de Berk, onde a luta entre vikings e dragões é constante, o longa mistura aventura, comédia e drama de forma impecável. A trama segue Soluço Haddock III, um jovem escandinavo desajeitado, que não se encaixa no arquétipo de matador de dragões em sua sociedade. Ele é um personagem feito, nos moldes de Peter Parker, para ressoar em todos nós. O seu conflito interno, de dividir-se entre ser quem é e atender às expectativas da sociedade, é algo com que muitos podem se identificar.

Soluço Haddock III
Fonte/Reprodução: Universal Pictures

O seu dilema pessoal é marcado pelo desejo de ser aceito pelo pai, Stoico, e, em meio à solidão advinda da rejeição em seu pequeno círculo, pela descoberta de uma conexão improvável com Banguela, um dragão da espécie Fúria da Noite.

No coração da obra está a relação entre Soluço e Banguela. A amizade entre os dois é construída lentamente, com base na confiança mútua. A cena icônica em que Banguela permite que Soluço toque nele pela primeira vez encapsula a essência da narrativa: o poder da empatia e da compreensão. Essa dinâmica faz com que o longa ressoe emocionalmente com o público. O questionamento central é sobre o peso das tradições, além da ideia de não julgar o outro pelas aparências ser igualmente poderosa no texto.

Um Clássico Contemporâneo Merece Novas Audiências

A animação de 2010 é uma obra-prima visual e emocional, e o live-action respeita profundamente a sua origem. Desde o design dos personagens até os dragões, tudo foi recriado com cuidado e reverência. Esse respeito é evidente não apenas esteticamente, mas no tom narrativo. A direção de Dean DeBlois garante que o espírito do original seja mantido, enquanto a trilha sonora de Powell, cheia de força e emoção, reitera a magia que tornou a animação inesquecível. O resultado é uma obra que não tenta substituir a original, mas ampliar o seu impacto.

Um Clássico Contemporâneo Merece Novas Audiências
Fonte/Reprodução: Universal Pictures

Como Treinar o Seu Dragão é uma lição atemporal sobre empatia, a superação de preconceitos, a quebra de ciclos de ódio e o poder transformador de aceitar o outro como ele é. Esses valores continuam relevantes e encantadores, especialmente em um mundo que ainda enfrenta desafios de intolerância e polarização.

O live-action oferece a oportunidade de apresentar essa história tanto a uma nova geração, que pode não ter crescido com a animação original; quanto àqueles que perderam a oportunidade de assistir a um clássico contemporâneo por preconceito com o formato de  animação. Para esses espectadores, o remake serve como porta de entrada a um universo mágico, que vale a pena ser visitado e — para o restante da audiência — revisitado.

Os Elementos Medievais Ganham Vida em Live-Action

Um dos maiores triunfos do remake está na materialidade que o live-action proporciona. A ambientação medieval, já rica na animação, torna-se ainda mais tangível aqui. As tranças, os cortes de cabelo rústicos e os detalhes de textura na pele e nos tecidos criam uma autenticidade que transporta o público para o mundo de Berk. 

Os trajes de couro e as escamas dos dragões ganham profundidade e realismo, transformando o visual em uma experiência imersiva. No live-action as armas, barcos e construções de madeira, combinadas com o brilho frio do ferro, reforçam o medievo atmosférico. Esses detalhes trazem visceralidade à experiência, por meio da qual o espectador sente o peso do mundo físico, de forma complementar ao imaginário construído pela animação.

Os Elementos Medievais Ganham Vida em Live-Action
Fonte/Reprodução: Universal Pictures

Em consonância com a visceralidade dos elementos rústicos, porém, o novo longa sabe preservar o lúdico. A DreamWorks Animation acertou, no longa de 2010, em cheio no design dos personagens e, principalmente, na animação dos dragões. O remake sabe o valor disso. Banguela, com os seus grandes olhos expressivos e movimentos ágeis, é tanto intimidador quanto adorável. 

O Coração da Jornada: Narrativa e Execução

O ritmo é bem equilibrado, alternando entre momentos de ação frenética e pausas emocionais. A história é linear, mas não simplista, e se desenrola de maneira orgânica. A construção do clímax, com a batalha contra o imponente dragão Alfa, é empolgante, mas também reforça a mensagem de que a verdadeira força vem do entendimento e da colaboração. 

Apesar de os dragões não serem realmente retratados como vilões, a sua ameaça desmistificada reforça a ideia de que os verdadeiros antagonistas são a ignorância e o medo. A decisão de Soluço perder parte da perna é ousada e traz o peso das consequências — mesmo das boas ações —, além de reforçar o protagonista como um herói imperfeito, que encontra força em sua vulnerabilidade. 

A trilha sonora de John Powell complementa perfeitamente esses momentos, evocando um senso de liberdade e maravilha. Dean DeBlois, assim como em seus trabalhos anteriores, adapta com maestria os livros de Cressida Cowell. 

O Coração da Jornada: Narrativa e Execução
Fonte/Reprodução: Universal Pictures

DeBlois se destaca como diretor pela sua habilidade em equilibrar intimidade emocional e escala épica. Ele sabe utilizar enquadramentos para enfatizar a conexão entre personagens, como os close-ups sutis, que capturam a vulnerabilidade de Soluço e os olhares trocados entre ele e Banguela. 

Além disso, tem um senso notável de ritmo narrativo. Ele constroi momentos de tensão e alívio com precisão, alternando sequências de ação com cenas mais introspectivas, sem perder a fluidez. A direção das cenas de voo aproveita o potencial do live-action para criar alívio com precisão, alternando sequências de ação com cenas mais introspectivas, sem perder a fluidez. A direção das cenas de voo aproveita o potencial do live-action para criar sequências que transmitem a sensação visceral de liberdade e maravilha.

No quesito visual, DeBlois utiliza a iluminação e os elementos naturais de forma quase pictórica, destacando a beleza áspera da paisagem escandinava medieval. Por fim, mostra-se habilidoso em orquestrar interações complexas entre CGI e atores reais — uma necessidade que, por mais óbvia que seja no cinema contemporâneo, nem sempre é bem-sucedida quando nessa proporção interativa.

Performances Transformam Personagens em Realidade

Poder-se-ia simplesmente dizer que o elenco do live-action de Como Treinar o Seu Dragão traz uma combinação talentosa de atores que dão vida aos icônicos personagens. No entanto, beira ao impressionante como todos encarnam com perfeição os arquétipos dos personagens originais, ao mesmo tempo em que trazem com suavidade suas idiossincrasias. 

Mason Thames assume com excelência o papel de Soluço. O seu pai e chefe da tribo, Stoico, o Imenso; é interpretado por Gerard Butler, cujo modo rústico de bradar como nórdico nos remete, em dados momentos, ao icônico Leônidas. Nico Parker (a filha do onipresente Pedro Pascal em The Last of Us, Sarah) brilha como Astrid Hofferson, a colega de Soluço de espírito indomável e, eventualmente, o seu interesse amoroso.

Performances Transformam Personagens em Realidade
Fonte/Reprodução: Universal Pictures

Entre os amigos de Soluço, Julian Dennison (de Deadpool 2 e Godzilla vs. Kong) encarna o nerd Perna-de-Peixe Ingerman, enquanto Gabriel Howell interpreta o arrogante Melequento Jorgenson (exatamente o Flash Thompson do Peter Parker de Soluço). Os gêmeos Cabeçadura e Cabeçaquente Thorston ganham vida por meio de Harry Trevaldwyn e Bronwyn James, que trazem o mesmo humor excêntrico que caracteriza as suas versões na animação. Nick Frost completa o elenco principal no papel de Bocão Bonarroto, o ferreiro de Berk, amigo próximo de Stoico e mentor dos jovens recrutas no treinamento de combate a dragões.

As Infinitas Trilhas do Imaginário: Das Sombras do Passado aos Clarões do Futuro

O fato de o live-action de Como Treinar o Seu Dragão ser tão fiel à animação original não significa que as continuações precisem seguir os mesmos caminhos. Há precedentes que ilustram como um remake pode abrir novas possibilidades narrativas: o live-action de O Rei Leão (2019), por exemplo, é uma recriação literal do clássico de 1994; mas a sua continuação, Mufasa (2024), opta por explorar um território inédito, sem seguir a trama de O Rei Leão 2 (1998).

Além disso, a transição para o live-action oferece uma oportunidade única para a franquia crescer junto com seu público. A nova mídia pode romper algumas das amarras que a animação tradicional enfrenta em relação à sua audiência, em termos de tom e abordagem. Isso abre precedentes para que a história amadureça com os espectadores, como vimos acontecer com a evolução da franquia Harry Potter, que gradualmente adotou um tom mais sombrio e sofisticado, à medida que os fãs cresciam. Isso pode, ou não, significar um afastamento em relação aos livros de Cowell. Há um mar de possibilidades a ser desbravado em seus drakkars inventivos.

As Infinitas Trilhas do Imaginário: Das Sombras do Passado aos Clarões do Futuro
Fonte/Reprodução: Universal Pictures

Essa liberdade criativa, aliada à fidelidade emocional do remake, coloca a franquia em uma posição privilegiada: respeitar as suas raízes enquanto se prepara para alçar voos ainda mais ousados no futuro. Se isso dar-se-á ou não é uma resposta que só o tempo dará.

Histórias que Iluminam a Alma: A Verdade por trás dos Heróis

Como Treinar o Seu Dragão (2025) é um acerto tanto em sua execução quanto na justificativa — se ignorarmos o central fator monetário, condição sine qua non de qualquer produção hollywoodiana — de existir. É uma extensão, não uma substituição, que reafirma o valor atemporal da história e explora novas dimensões de seu universo, por meio do realismo e da materialidade.

Ao equilibrar a fidelidade ao original com o potencial do live-action, o longa cumpre a sua missão: manter viva a magia de Soluço e Banguela, conectando outros públicos ao legado de um clássico moderno e fazendo o restante revisitar um velho amigo.

Mais do que isso, Soluço é um personagem com o qual todos podem se relacionar. O mundo abriga inúmeras ovelhas negras, mas são muitas delas que ajudam o orbe a girar. São essas pessoas que tiram um pouco da opacidade que a humanidade insiste em trazer a um lugar que, por sua natureza, era destinado a ser mais vibrante. Se as nossas memórias deixam escapar essa verdade, estórias assim são sempre bem-vindas.

Nota: 4.5/5

Como Treinar o Seu Dragão (2025) | Crítica
Como Treinar o Seu Dragão (2025) | Crítica

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