Quarteto Fantástico: Primeiros Passos (2025) | Crítica

Para tratarmos de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos (2025) precisamos, primeiro, tirar o Galactus da sala. O longa teve uma janela de duas semanas após a estreia do primeiro herói da distinta concorrência, e comparações são inevitáveis — assim como comparações com as adaptações pretéritas da primeira família da Casa das Ideias.

Se serve de alívio, a própria criação da equipe — e de tantos outros personagens da editora — dialoga diretamente com os personagens de sua rival. O grupo surgiu como uma resposta direta ao sucesso da Liga da Justiça, mas com uma proposta inovadora: heróis com conflitos pessoais, falhas humanas e relações complexas. Esta era a filosofia de Stan Lee: a mesma aplicada, pouco depois, ao Homem-Aranha e à maior parte dos ícones da Marvel.

Se Lee trouxe esse conceito maior, foi Jack Kirby quem concebeu os visuais, a arquitetura, as criaturas e os mundos alienígenas que fizeram do Quarteto Fantástico uma obra tão ousada. Enquanto Stan Lee trazia o elemento humano e emocional, era Kirby quem empurrava o Quarteto rumo ao desconhecido, misturando ficção científica, mitologia, física quântica e pura invenção gráfica.

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos
Fonte/Reprodução: Marvel Studios

Juntando todas essas informações — acrescidas do contexto atual do Universo Cinematográfico Marvel —, temos todo o cenário que circunda Quarteto Fantástico: Primeiros Passos. Impossibilitados de utilizar o Quarteto e os X-Men (e, até 2016, o próprio Homem-Aranha), agora o estúdio se vê diante da perspectiva de utilizar os seus maiores ícones, com um porém: absoluto desgaste. 

Este decorre tanto de um aspecto quantitativo e natural, quanto qualitativo, dado o mau uso dos personagens em muitos dos longas da 20th Century Fox. Com os próprios mutantes a Marvel tem evitado mexer, aproveitando o elenco dos filmes originais. O Quarteto, porém, é o pilar desse universo, e não poderia ficar muito tempo de fora.

Metalinguagem e Multiverso

Como utilizar esses personagens, já desgastados? E, mais importante: como inserir a primeira família da Marvel em um universo já amplamente consolidado e complexificado? Kevin Feige, presidente do Marvel Studios, encontrou, junto de seus roteiristas, a resposta. Antes que pense em multiverso, a resposta é: metalinguagem. Se a equipe surgiu em 1961, a resposta é — aí, sim, no contexto do multiverso — introduzir a equipe na década de 60 da Terra 828. 

Metalinguagem e Multiverso
Fonte/Reprodução: Marvel Studios

Se a suspensão de descrença nas histórias em quadrinhos daquela época era maior, e Kirby ousava na iconografia da ficção científica pulp; no cinema isso ganha novos contornos ao apropriar-se do conceito de mundo paralelo retrofuturista, no melhor estilo Jetsons. Assim, ao contrário da maioria dos longas de super-heróis, que trazem personagens de décadas passadas para a época em que o filme é produzido, e mais calcado no nosso mundo; Quarteto Fantástico: Primeiros Passos consegue ser o mais literal possível, inclusive na interação entre os personagens, de acordo com a ótica de Stan Lee.

Já de início o longa garante o seu lugar perante os fãs, com uma sequência que, além de recriar a capa de Fantastic Four #1 (1961), introduz a galeria de vilões da equipe — mas que não são relevantes o bastante para serem antagonistas principais de continuações. Adiante, mais vilões clássicos são mencionados em diálogos. Jack Kirby e Stan Lee são sutilmente referenciados em uma cena e o desenho desanimado dos anos 60 é homenageado. A Fundação Futuro é inserida de forma natural e Galactus está um deleite. Isso tudo sem falar dos uniformes (azul e branco e azul e preto) e de toda a fidelidade estética em relação aos quadrinhos.

Tudo isso, no entanto, é executado de uma maneira um tanto protocolar. Se em Superman (2025) você vibra com o ícone em tela, ou ressente-se quando Lois e Clark se desentendem e se regozija quando ela diz de volta que o ama; em Quarteto Fantástico: Primeiros Passos o espectador parece mais entender do que sentir as relações entre os personagens. Isso não quer dizer que tenham sido mal-executadas. Pelo contrário, o roteiro é muito meticuloso em estabelecer — e de forma fiel — o papel de cada personagem, mas a direção de Matt Shakman carece de mais personalidade.

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Fonte/Reprodução: Marvel Studios

A impressão final é que o longa inteiro tem muita personalidade, à exceção de sua direção; e isso gera uma certa dissonância. É verdade que a Marvel apostou em James Gunn em 2014, em Guardiões da Galáxia; e que isso funcionou tão bem que o diretor tornou-se co-CEO do DC Studios e recebeu do IMDb o prêmio “Fan Favorite Filmmaker” Award — o primeiro da história concedido por esse reconhecimento. No entanto, e recorrendo a extremos, para cada aposta bem-sucedida nos moldes de James Gunn há fracassos como a escolha de Alan Taylor para conduzir Thor: O Mundo Sombrio (2013).

A maior fraqueza de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, portanto, é o maior trunfo de Superman: personalidade. E, tomando como base os seres humanos, personalidade não é apenas ter estilo e vestir-se bem: está nos gestos, olhares, energia e subjetividades.

Além disso, o longa se propõe a tantas coisas — introduzir um novo mundo e sua própria cultura retrofuturista, uma equipe inteira, a entidade cósmica mais famosa do Universo Marvel, a sua arauta e a consequente ameaça em escala global — que o tempo de tela de 115 minutos não funciona como deveria. Se o filme se beneficiasse de mais meia hora, as relações entre os personagens poderiam ser mais sentidas, amenizando a falta de personalidade da direção.

Chega a ser um pecado você possuir uma participação de John Malkovich em seu filme, revelá-lo nos trailers, e cortá-lo da edição final de última hora. Era necessário? Mais 20 minutos de filme, por exemplo, não pesariam no espectador, mas poderiam fazer a diferença em muitas interações, e nessa aparição em especial.

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Fonte/Reprodução: Marvel Studios

Iconografia Cósmica: de Kirby a Kubrick

Posto de lado esse elemento, porém, todo o resto do filme funciona; e isso quer dizer muito. Esteticamente, o longa é exemplar. A fotografia de Jess Hall (em colaboração com a designer de produção Kasra Farahani) evoca uma paleta com um visual vibrante e cores saturadas. A iluminação suave em ambientes internos lembra os filmes sci-fi da Era Atômica, o uso deliberado de simetria e profundidade de campo rasa; remetendo ao estilo de cineastas como Jacques Tati ou até Wes Anderson. Ao mesmo tempo, evoca diretamente Stanley Kubrick em 2001 – Uma Odisseia no Espaço.

A arquitetura, nesse contexto analógico vintage retrofuturista, remete ao modernismo dos anos 60 — a exemplo do Edifício Baxter —, e a sua execução é um equilíbrio entre cenários construídos fisicamente e CGI.

Os efeitos visuais seguem o princípio de “design com propósito”, por meio do qual os poderes dos personagens são visivelmente integrados ao estilo retrô. A elasticidade de Reed, por exemplo, não é realista à maneira dos filmes anteriores, mas estilizada, com animação que remete aos traços de Jack Kirby. Já os poderes de Sue são acompanhados de distorções ópticas que lembram vidros antigos. 

Iconografia Cósmica: de Kirby a Kubrick
Fonte/Reprodução: Marvel Studios

A estética da Surfista Prateada tem uma textura metálica fosca, quase cerâmica, e seus movimentos são calmos, etéreos, como se ela não pertencesse à física da mesma realidade. Isso se reflete também na trilha sonora repleta de personalidade do sempre excelente Michael Giacchino — com direito a uma música-tema memorável —, que incorpora sintetizadores analógicos e instrumentos orquestrais em composições que ecoam as trilhas de ficção científica da década de 70.

O próprio Coisa, apesar da computação gráfica, é interpretado com captura de movimento prática sobre maquiagem parcial, em um visual mais próximo das esculturas de argila do que de CGI puro. Visualmente, tudo serve à ideia de que esse Quarteto é mais sobre exploração e ciência do que combate. A estética convida à curiosidade.

Compostura Cósmica e Atuações Fantásticas

Quanto aos inúmeros talentos envolvidos no elenco, cada escolha é justificada pela química e atuações entregues. Pedro Pascal, no papel de Reed Richards, entrega uma performance que equilibra perfeitamente o lado científico brilhante e a vulnerabilidade humana do líder do grupo. O onipresente astro consegue entregar um personagem que, apesar da genialidade e do senso de responsabilidade, também enfrenta dúvidas internas e dilemas pessoais. 

Compostura Cósmica e Atuações Fantásticas
Fonte/Reprodução: Marvel Studios

Ebon Moss-Bachrach, por sua vez, traz uma versão de Ben Grimm — pelo fato de a equipe já existir nesse mundo há quatro anos — que não carrega aquele peso dos longas anteriores. Assim, o ator teve espaço para trabalhar melhor a dualidade do homem preso numa forma monstruosa, mas que mantém um coração gentil e um humor resignado. A melancolia do personagem é absolutamente sutil, aqui, e isso é bem-vindo.

O Johnny Storm de Joseph Quinn carrega a irreverência e gosto por mulheres característicos do personagem, mas de forma menos caricata; e em consonância com o seu lado mais centrado e até mesmo intelectual. Quinn domina a transição entre o jovem impulsivo e, ao mesmo tempo, leal e corajoso.

vanessa kirby
Fonte/Reprodução: Marvel Studios

Quem carrega melhor o elenco, no entanto, é Vanessa Kirby como Sue Storm. Ainda que, pela necessidade do roteiro e do próprio legado, a personagem carregue como tema central a maternidade, Kirby (não confundir com o quadrinista) traz uma imponência natural para Sue — assim como para toda personagem que interpreta, para quem está familiarizado com o trabalho da atriz. Ainda assim, o roteiro sabe muito bem quando utilizar esse talento, sobretudo em dois momentos-chave da personagem: o ótimo discurso diante de uma população revoltada e uma cena memorável de uso dos seus poderes com máxima convicção.

H.E.R.B.I.E., o robô, é dublado por Matthew Wood (o General Grievous de A Vingança dos Sith) e rende boas sequências cômicas, que servem à passagem de tempo e a uma mudança na rotina da família. O personagem, no entanto, não tem o carisma da média dos droids de Star Wars, por exemplo.

A Shalla-Bal de Julia Garner é quem mais sofre com o tempo de tela limitado — e provavelmente muitos cortes —, e suas interações limitam-se mais ao Tocha-Humana e, em menor escala, ao Devorador de Mundos. A atriz sustenta muito bem a sua incumbência, mas não tem o espaço para fazer mais do que o necessário. 

silver surfer
Fonte/Reprodução: Marvel Studios

Por fim, Ralph Ineson traz a imponência necessária para Galactus, tanto por sua voz natural quanto pela atuação contida, digna de uma entidade. O restante o estúdio fez questão de acrescentar de todas as maneiras, para proporcionar o que pode-se dizer, sem exageros, tratar-se de uma adaptação perfeita de um dos antagonistas mais queridos dos quadrinhos.

Em síntese, Quarteto Fantástico: Primeiros Passos carrega uma certa dissonância entre execuções impecáveis e a sensação de que ainda assim algo está faltando. Por ora, é o filme definitivo — e digno — do grupo, mas que não alcançou todo o seu potencial, correndo o risco de não marcar suficientemente o imaginário coletivo do grande público na longa duração. Para os fãs da primeira equipe da Marvel, porém, a entrega está feita.

Quarteto Fantástico Primeiros Passos (2025) Crítica
Quarteto Fantástico Primeiros Passos (2025) Crítica

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