Não há como negar o poder que uma boa novela tem de nos transportar no tempo. As novelas da Globo antigas, em particular, têm um lugar especial em nosso imaginário. Muitos recordam das tardes e noites de frente para a TV, acompanhando tramas que viraram assunto na escola, na família e no trabalho.
O fervor por uma novela, há anos atrás, podia ser comparado com a final de uma Copa do Mundo, sem exageros. As novelas da Globo antigas não contavam apenas histórias, mas também refletiam o Brasil de suas épocas, com cenários e dilemas que se tornaram inesquecíveis.
A boa notícia é que esses clássicos não precisam ficar só na lembrança: é possível hoje rever aquela obra-prima que você adora, ou passar por alto aquela que você achou uma perda de tempo. Afinal, quando o assunto são novelas da Globo antigas, as opiniões vão de um extremo ao outro.
Prepare-se para uma viagem no tempo, porque neste artigo vamos listar os clássicos que você precisa assistir de novo, a opinião de especialistas e do público e, claro, te contar onde encontrá-los na era do streaming.
Panorama das novelas da Globo antigas
A Rede Globo começou a apresentar novelas em 26 de abril de 1965, no mesmo dia em que o canal entrou no ar. A sede da empresa ficava no Rio de Janeiro. A primeira novela exibida pela emissora foi Ilusões Perdidas. A trama trazia uma história de drama e romance, girando em torno de um triângulo amoroso. Leila Diniz e Reginaldo Faria interpretavam o par central.
O ano de 1965 é de fundamental importância para a história do Brasil. O país vivia sob a presidência do general Humberto de Alencar Castelo Branco, consolidando assim o regime militar.
A censura e a perseguição já eram uma realidade, e as liberdades democráticas começavam a ser duramente cerceadas. A novela Ilusões Perdidas, inclusive, teve seu horário alterado por determinação da censura.
Na época, a sociedade brasileira deixava de ser predominantemente agrária, com o avanço da industrialização e o crescimento urbano. A população, embora estivesse em sua maioria alheia aos embates políticos mais complexos, vivenciava um clima de incerteza e repressão.
A televisão despontava como novo veículo de comunicação, sendo acompanhada de perto pelos censores do regime militar. Nesse cenário, a Globo percebeu que a novela tinha o poder de construir narrativas e moldar a opinião pública.
Rapidamente, Ilusões Perdidas se tornou uma ferramenta estratégica para a emissora, tanto como fonte de entretenimento, como um meio de se comunicar com a audiência de maneira sutil, ou mesmo de testar os limites do regime.
Com o passar dos anos, a novela se tornou algo que todos, independentemente da classe social ou região, acompanhavam el podiam conversar. Essa experiência compartilhada, de torcer por um herói e odiar um vilão, é a mesma que une os brasileiros em torno da seleção de futebol.
Projeto Resgate: preservação e acesso às novelas antigas
O Projeto Resgate é uma iniciativa da Rede Globo, através de sua plataforma de streaming Globoplay, de disponibilizar em seu catálogo novelas, séries e outros programas clássicos que fazem parte do acervo da emissora.
O objetivo é resgatar e preservar essas obras para o público, em alta qualidade de imagem e com seus conteúdos originais, incluindo vinhetas de abertura e encerramento. Já outras terão apenas alguns capítulos disponibilizados, por meio do projeto Fragmentos.
Graças a um intenso trabalho acadêmico feito por Gabriel Salgado Sarturi na Universidade de Santa Maria, o Globoplay conseguiu resgatar, mesmo que em partes, a memória da teledramaturgia brasileira.
A plataforma continua a crescer, e a marca de mais de 200 novelas já foi atingida e superada. O Globoplay, por sua vez, segue lançando novos títulos semanais em seu catálogo, tanto antigos quanto novos.
A novela mais antiga, produzida a cores e completa no acervo é O Bem-Amado (1973). A obra de Dias Gomes é um tesouro da teledramaturgia e um dos títulos mais importantes já lançados pelo Projeto Resgate. Já a novela mais recente é Êta Mundo Bom! (2016), que foi ao ar na segunda-feira, 27 de junho de 2025.
Em contrapartida, mais de 70 títulos da emissora não poderão mais ser exibidos, a maioria deles produzidos entre 1960 e 1970. Muitas novelas dessa época foram perdidas ou ficaram com pouquíssimos capítulos preservados. Isso se deve a diversos fatores, como o incêndio nos arquivos da emissora em 1976 e a prática da reutilização de fitas.
Obras mais icônicas e populares
Como parte da comemoração dos 60 anos da TV Globo em 2025, tivemos a divulgação de um ranking com as 60 melhores novelas de todos os tempos. Esta lista, como era de se esperar, gerou um intenso debate entre especialistas e o público. O ranking das 60 melhores novelas foi criado por um corpo de 60 jornalistas culturais e especialistas em teledramaturgia.
Ranking oficial: Top 10 das melhores novelas antigas
- 1) Vale Tudo (1988),
- 2) Avenida Brasil (2012),
- 3) Roque Santeiro (1985),
- 4) A Favorita (2008),
- 5) O Clone (2001),
- 6) A Próxima Vítima (1995),
- 7) O Bem Amado (1973),
- 8) Tieta (1989),
- 9) Laços de Família (2000),
- 10) O Rei do Gado (1996).
Ranking oficial e consenso da crítica
O ranking da Globo, ao ser feito por especialistas, prioriza as novelas que deixaram uma marca artística e social mais profunda, enquanto as preferidas do público, que muitas vezes apelam mais ao coração do que à razão, acabam em posições mais baixas, ou nem entram na lista. Saiba mais sobre algumas novelas marcantes.
Vale Tudo (1988–1989)
Vale Tudo é amplamente considerada pelos críticos a melhor novela de todos os tempos, por uma combinação de fatores que a tornaram um fenômeno cultural e um marco na teledramaturgia brasileira.
A trama de 1988, escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, se tornou um espelho da sociedade, refletindo dilemas morais e éticos que ressoavam profundamente com o público, como:
- Ética ou ambição? A novela levantou a pergunta: “Vale a pena ser honesto neste país?”. O confronto entre a honestidade de uma mãe e a ambição sem escrúpulos de sua filha prendeu a atenção de todos.
- Personagens complexos: A trama foi rica em personagens complexos e memoráveis que personificavam diferentes facetas da sociedade da época. A vilã Odete Roitman (Beatriz Segall) tornou-se um ícone da elite arrogante e preconceituosa.
- A estrutura narrativa com mistério: O suspense em torno de “quem matou Odete Roitman?” parou o Brasil. A revelação da assassina no último capítulo é um dos momentos mais emblemáticos da televisão brasileira, demonstrando o poder de um bom mistério para manter o público engajado até o fim.
- Desafios sociais: A novela abordou temas como corrupção, desigualdade social e a crise de valores de forma corajosa, sem simplificações. A força do texto residia em sua capacidade de ser um entretenimento envolvente e, ao mesmo tempo, uma crítica social afiada.
A nova versão de Vale Tudo (que está sendo exibida atualmente) enfrentou uma recepção recheada de amor e ódio, com críticas tanto da mídia especializada quanto do público.
A audiência foi considerada morna para o horário nobre. Nas redes sociais, as críticas do público se concentram principalmente nos personagens descaracterizados, a falta de profundidade emocional e um texto “politicamente correto”, que evita polêmicas e suaviza os temas.
Roque Santeiro (1985–1986)
Roque Santeiro é, sem dúvida, um marco cultural por muitos fatores que vão além de sua grande audiência. A novela é um símbolo da redemocratização do Brasil e uma crítica social sofisticada, que soube misturar humor, realismo fantástico e personagens inesquecíveis para refletir sobre a identidade nacional.
Sua exibição em 1985, no final do regime militar, foi um ato simbólico de vitória contra a censura. O sucesso estrondoso da novela parece que foi um prenúncio de uma nova era de liberdade de expressão no país.
O Bem-Amado (1973)
O Bem Amado é uma novela de destaque e um marco na teledramaturgia brasileira por diversas razões, mas principalmente pela sua sátira política e pela forma como desmascarou o coronelismo de forma cômica e inteligente.
A obra, baseada na peça teatral de Dias Gomes, foi a primeira novela brasileira a ser produzida em cores, em 1973, e se tornou a primeira a ser exportada para outros países.
Top 10 melhores novelas: Discrepância entre especialistas e público
Segundo o ranking oficial, Tieta (1989–1990), A Próxima Vítima (1995) e O Clone (2001), ocupam o 8º, 6º e 5º lugar, respectivamente. Porém, segundo a opinião do público, estas tramas mereciam um lugar mais próximo aos três primeiros. A discrepância entre a opinião de especialistas e o gosto popular em relação a novelas é um fenômeno comum, e a raiz dessa diferença está nos critérios de avaliação que cada grupo utiliza.
Para os especialistas, a obra é vista por meio de uma lente crítica, buscando inovação na narrativa, qualidade técnica (como direção, fotografia e trilha sonora), a profundidade do texto e a relevância social da trama. Segundo essa visão, uma novela pode ser tecnicamente brilhante, com um roteiro complexo e personagens multifacetados, mesmo que não seja um sucesso de audiência.
Já o público, em geral, busca uma experiência diferente. O telespectador quer entretenimento, identificação e escapismo. A conexão emocional com os personagens e a capacidade da história de prender a atenção são cruciais. Novelas que geram uma forte resposta emocional, com casais carismáticos e vilões memoráveis, costumam ser as mais amadas por quem a assiste em casa.
Novelas antigas disponíveis para maratona no Globoplay
Anos atrás, assistir a uma novela era um rito social compartilhado. Muitas das tramas antigas da Globo passaram em uma época com poucas opções de entretenimento, e sem a fragmentação da audiência que temos hoje, consequência do avanço tecnológico.
Hoje, com a opção do streaming disponibilizado pela Globoplay, o público descobriu a possibilidade de consumir essas histórias a qualquer momento. O que antes era uma programação passiva da TV, agora se transforma em uma experiência personalizável.
Atualmente, as novelas antigas mais acessadas na Globoplay são:
- Chocolate com Pimenta (2003),
- Mulheres de Areia (1993),
- Mulheres Apaixonadas (2003),
- O Clone (2001),
- Tieta (1989),
- A Viagem (1994),
- Renascer (1993),
- Laços de Família (2000),
- A Favorita (2008).
Estes e muitos outros títulos estão disponíveis, sendo constantemente atualizados. Essas novelas, de diferentes épocas e estilos, demonstram que o público da Globoplay busca desde o humor e o romance de Walcyr Carrasco, até as tramas mais densas e sociais de Manoel Carlos e a curiosidade por novas culturas de Glória Perez.
Temas e legados que permaneceram vivos
Nos anos 70, 80 e 90, a televisão era o principal meio de entretenimento. Por isso, o último capítulo de uma novela tinha o poder de “parar o Brasil”. Era comum que o comércio fechasse mais cedo e que as pessoas se organizassem em suas casas para assistir ao grande momento.
As expectativas de saber “quem matou Odete Roitman?” (Vale Tudo), o destino de Roque Santeiro e quem era o assassino da A Próxima Vítima geravam um suspense coletivo.
Isso fazia com que os personagens e as tramas se tornassem parte do cotidiano das pessoas, gerando debates acalorados em mesas de bar, salões de beleza e ambientes de trabalho.
Hoje, as novelas não têm mais o monopólio da atenção dos brasileiros, mas o legado e a relevância de suas histórias e personagens permanecem vivos. Hoje o debate se estende para as redes sociais, onde o público opina e pressiona por mais representatividade e por discussões sociais relevantes.
Vilões inesquecíveis
Quando o assunto são vilões marcantes, tivemos personagens complexos e memoráveis que personificavam diferentes facetas da sociedade da época. Em Vale Tudo, a vilã Odete Roitman (interpretada por Beatriz Segall na original e Débora Bloch no remake) tornou-se um ícone da elite arrogante e preconceituosa. Ela é considerada um dos maiores símbolos de vilania da teledramaturgia brasileira.
Também ficou marcada na memória do público a maldade de Flora, em A Favorita. Interpretada por Patrícia Pillar, ela é um dos maiores exemplos de vilã “camuflada”. Durante grande parte da novela, ela se passa por vítima, manipulando todos ao seu redor.
E é impossível não citar Nazaré Tedesco, vivida por Renata Sorrah, em Senhora do Destino. Sua maldade, misturada com um humor ácido, e o hábito de empurrar pessoas da escada, a eternizou em memes que continuam a circular nas redes sociais até hoje.
Tramas marcantes e humor:
Em Tieta, baseada na obra de Jorge Amado, vemos a celebração da liberdade da mulher em decidir sobre seu próprio corpo e destino, desafiando a sociedade patriarcal.
A trama gira em torno do retorno de Tieta, que foi expulsa de sua cidade natal, Santana do Agreste, por ter uma vida sexual ativa. Ao voltar 25 anos depois, rica e glamourosa, ela é recebida com honras e bajulação pelos mesmos moradores que a humilharam no passado.
No enredo, a personagem Perpétua (Joana Fomm), com sua repressão sexual e seu moralismo rígido, é uma figura caricatural que, através do humor, expõe a dualidade da cidade que condena a liberdade de Tieta, mas se rende ao seu dinheiro.
Da mesma forma, vemos em Roque Santeiro alguns que são, por si só, um pilar de importância cultural. A “viúva que não foi viúva” Porcina (Regina Duarte) e o “coronel do bigode” Sinhozinho Malta (Lima Duarte) se tornaram ícones da teledramaturgia.
A química e os diálogos entre eles, com o “tô certo ou tô errado?”, entraram no vocabulário popular. A própria figura de Roque Santeiro (José Wilker), encarna o anti-herói brasileiro.
Esses personagens, com suas imperfeições e complexidades, representavam as contradições e o espírito do Brasil de uma forma que poucas obras conseguiram.
O humor nessas novelas não era apenas para fazer rir, mas uma ferramenta para abordar temas polêmicos de forma leve, evitando a censura da época e garantindo um impacto cultural duradouro.
Conclusão
As novelas da Globo antigas, com seus personagens inesquecíveis e roteiros que desafiaram o moralismo da época, continuam sendo uma fonte de inspiração e reflexão. Se você já viveu essas emoções, é a chance perfeita para reviver a nostalgia de um tempo que marcou a televisão.
As novelas sobreviveram ao declínio da TV aberta ao se adaptarem à nova dinâmica digital. Elas se tornaram um patrimônio cultural que, de um lado, é alimentado pela nostalgia e, de outro, é reinventado e eternizado pela criatividade da internet.
Para aqueles que nunca assistiram, é uma oportunidade de ouro para mergulhar em histórias marcantes e que ainda acompanham os desafios de hoje. Porque, no fundo, a essência do ser humano e seus dilemas continuam os mesmos. A boa notícia é que essas produções estão mais acessíveis.
Seja para revisitar um clássico que marcou sua vida ou para descobrir pela primeira vez algum título, a chance de mergulhar nessas histórias está ao seu alcance. Pelo Globoplay, é possível encontrar e maratonar essas novelas a qualquer momento.
Aproveite para se emocionar, rir e refletir com narrativas que provam que a televisão, quando bem feita, é mais do que entretenimento: é um verdadeiro espelho da nossa história e do nosso povo.
