Capitão América: Admirável Mundo Novo (2025) | Crítica

Apesar de este já ser um assunto batido, é importante indissociar Capitão América: Admirável Mundo Novo da chamada fadiga do gênero de super-heróis no cinema. É verdade que ainda existe um debate sobre a perda de interesse do público dever-se mais a uma queda da qualidade das histórias – e até mesmo da execução técnica, como a precarização do CGI em função da exploração dos funcionários desse setor – do que em relação a uma fadiga propriamente dia.

No entanto, igualmente faz-se mister indissociar ambos. É natural do ser humano – ainda mais com o turbilhão de estímulos de uma era marcada pela Internet e redes sociais – apresentar uma memória curta para algumas coisas – para que haja mais espaço para vídeos do TikTok e reels do Instagram. Nesse cenário, ídolos são substituídos de forma fluida, assim como as próprias relações; e não seria diferente com o grande ídolo cinematográfico da década de 2010, o Marvel Studios.

O Declínio dos Novos Deuses

Em uma relação que, num primeiro momento, parece se contradizer, a memória curta serve tanto ao abandono do reconhecimento quanto à solidificação de uma nostalgia, que adquire contornos um tanto hiperbólicos. Em outras palavras, é inegável que o MCU foi hegemônico na década passada e produziu marcos na história do cinema, mas a audiência parece se esquecer de todas as obras medíocres lançadas nesse ínterim. 

O Declínio dos Novos Deuses
Fonte/Reprodução: Marvel Studios

Consequentemente, os lançamentos contemporâneos são diminuídos em sua recepção, dada essa falsa noção de que “antigamente era melhor”. E talvez fosse, de fato, mas por ser algo novo, à época. E aí que a fadiga se mostra real, sem deixar de lado a veracidade de algumas produções medíocres ou regulares que têm visto a luz do dia, recentemente. O estado atual desse processo é o “desprezo” pelos super-heróis enquanto gênero, propriamente dito (discussão que merece um espaço separado).

A causa desse fenômeno é, ao mesmo tempo, natural e culpa, sim, do estúdio. Isso porque este deveria ter previsto o primeiro, precisamente por ser orgânico. E talvez até tenha previsto, mas a busca por lucros não pode ser, nunca, posta de lado em uma companhia multinacional. Era inevitável a perda da “magia” após Vingadores: Ultimato (2019), pois este fincou de inúmeras maneiras a noção de desfecho – desde as mortes e aposentadorias até as próprias conclusões de relações em aberto, como Thor e Frigga e Tony e Howard.

Não bastassem todos esses motivos, o último (e muito mais simples) é que o conceito de multiverso apenas não se mostrou tão interessante; ao menos não o seu uso voltado ao fanservice e preguiças de casting.

O Fim das Narrativas ou a Quebra do Feitiço?

Ainda assim, se deixarmos de lado as desnecessárias séries da Marvel no Disney+ (não seria justo, pois não havia séries nas três primeiras fases do MCU, à exceção das da Netflix) e focarmos apenas nos filmes, temos: Viúva Negra, Shang-Chi, Eternos, Sem Volta para Casa, Multiverso da Loucura, Amor e Trovão, Wakanda Para Sempre, Quantumania, Guardiões da Galáxia Vol. 3, As Marvels, Deadpool & Wolverine e Capitão América: Admirável Mundo Novo

Nessa lista encontramos longas-evento marcantes, como o terceiro do Cabeça de Teia e do Mercenário Tagarela; filmes que realmente contam uma história, como o terceiro dos Guardiões e do Pantera; longas sólidos (Shang-Chi, Eternos, Viúva, Doutor Estranho) e regulares (Quantumania, Thor 4, As Marvels). Todos esses perfis de longas existem desde o início do MCU. Se formos dar um ou dois exemplos de cada, respectivamente: Guerra Infinita e Ultimato; Guardiões e O Soldado Invernal; os primeiros Homem-Formiga e Doutor Estranho; e os dois primeiros Thor.

Portanto, trata-se menos de os filmes perderem a sua qualidade do que a paciência que o público tem de sair de suas casas e pagar caro em um ingresso para assistir a algo regular ou apenas solidamente divertido. Este último é o caso de Admirável Mundo Novo.

O Capitão Ainda em Busca de um Legado

O quarto capítulo da franquia do bandeiroso – ou primeiro, no caso de Sam Wilson (Anthony Mackie) – mira em uma trama de espionagem, visando seguir o legado de O Soldado Invernal, mas careceu de todo e qualquer tempero necessários a um filme de personalidade. O roteiro, até onde é possível saber – pois o longa passou por refilmagens que, claramente, desfiguraram ideias iniciais -, funciona na entrega básica, mas não traz diálogos engajantes ou personagens marcantes; e falha em trazer os contornos realmente interessantes de um thriller de espionagem. Até onde se sabe, ou se supõe, as próprias refilmagens parecem ter removido em boa dose o tom político da trama, para que o longa não se comprometesse, diante do cenário global atual.

O Capitão Ainda em Busca de um Legado
Fonte/Reprodução: Marvel Studios

Julius Onah, apesar da ótima recepção de Luce (2019), não podia se apoiar apenas neste trabalho anterior para se firmar como um nome consolidado, e a direção de Capitão América: Admirável Mundo Novo provou isso. Não há nada realmente de baixa qualidade, mas também não há nada que chame alguma atenção.

A esses problemas soma-se a escolha narrativa por uma trama que se apoia em larga escala em acontecimentos de um longa-metragem de 2008, O Incrível Hulk. Para piorar, dois personagens centrais tiveram os seus atores substituídos (Edward Norton e William Hurt por Mark Ruffalo e Harrison Ford, respectivamente); e quem não foi substituído mal aparecia no antecessor (Tim Blake Nelson) ou mal aparece neste (Liv Tyler). Disso resulta que todas as relações de personagens deste filme que se apoiam em um background do que foi estabelecido em 2008, não convencem o bastante. 

E as relações não estabelecidas em O Incrível Hulk? Ora, as relações restantes são todas oriundas de uma minissérie de TV do Disney+ que obteve reações mistas e não foi conferida por grande do público, Falcão e O Soldado Invernal. Portanto, trata-se de um longa que tenta ter uma trama suficientemente isolada (não conversa com a Saga do Multiverso, por exemplo), ao mesmo tempo em que se apoia totalmente em relações estabelecidas por meio de materiais que não foram amplamente consumidos e/ou são longínquos.

A fotografia também é um tanto não inspirada e, muitas vezes, demasiadamente escura. As cenas de ação, apesar de genuinamente bem-feitas, também não marcam em nada. A exceção – e, definitivamente, o ponto alto do filme – é o embate com o Hulk Vermelho (ou Rulk, se preferir), personagens dos quadrinhos há muito aguardado pelos fãs; apesar de ter uma personalidade muito mais voltada à do Hulk tradicional do que ao personagem de Jeph Loeb que bateu no Thor com o próprio Mjolnir e voou na prancha do Surfista Prateado.

Anthony Mackie é muito esforçado, e merece ser reconhecido como um Capitão América à altura do legado de Rogers nesse sentido, apesar de não chegar à altura em função de um roteiro que o faz ficar em cima do muro – o oposto do que fazia o personagem de Chris Evans. Danny Ramirez (Joaquin Torres, o novo Falcão) e Carl Lambly (o ex-Capitão América Isaiah Bradley) também são pontos altos do longa; ao lado de um Harrison Ford que mais uma vez interpreta a ele mesmo, o que não é um problema. 

Shira Haas é uma adição interessante ao elenco, e Tim Blake Nelson foi um talento, mais uma vez, desperdiçado. O vilão que interpreta, O Líder, inclusive, sofreu fortes modificações em seu visual nas refilmagens. Anteriormente parecer-se-ia muito mais com a versão dos quadrinhos, substituída por algo mais perturbador e sem personalidade. O que não se sabe é se as mudanças limitaram-se ao visual, ou se a sua presença foi significativamente redimensionada.

A Essência da Narrativa
Fonte/Reprodução: Entertainment Weekly

Em termos de mitologia, e na onda de Deadpool & Wolverine, o longa retoma o desfecho de Eternos (com o Celestial Tiamut, petrificado no Oceano Índico) para trazer ao MCU o metal Adamantium, finalmente. Seria esta uma forma de trazer uma guerra entre o restante do mundo e Wakanda em Pantera Negra 3? Por ora, pouco importa.

A Essência da Narrativa

O que importa, e já passou da hora de compreendermos, é que a fadiga em relação aos filmes de super-heróis não parece em vias de passar – e nem teria razão para tal. O conceito de universos compartilhados deslumbrou uma grande parcela, é verdade, mas nenhuma novidade sobrevive por tanto tempo. Uma boa história, sim. É imutável.

É inevitável, nessa relação mútua entre a indústria cultural como palco para arquétipos enquanto projeção do que desejamos ser – e naquilo que desejamos acreditar, mesmo que com consciência do seu caráter ficcional –, que a causa de desgastes do gênero seja precisamente a estrutura coercitiva do primeiro elemento. O que fica em aberto é se esses mitos contemporâneos ganharão outros espaços para permanecer no imaginário coletivo; ou se a indústria cultural apropriar-se-á de novos mitos – como Barbie, no ano retrasado.

Caso a fadiga quanto ao gênero mantenha-se no tempo, isso não significa um fim. Na realidade, um gênero, mesmo quando deixa de fazer parte da moda, permanece pairando junto aos outros, até que determinados cineastas decidam experimentar novas oportunidades. Longas como The Batman (2022) e The Dark Knight (2008), para nos atermos a poucos exemplos, servem-nos como provas de que não existem gêneros superiores ou inferiores. 

Quando deixarem, de vez, de se mostrar o suprassumo do chamado “filme pipoca”, retornarão, esporadicamente, quando houver histórias genuínas a serem contadas. Sempre haverá espaço e demanda por narrativas que tragam esperança e inspiração, em um mundo marcado por constantes provações. Se o Marvel Studios quiser retomar e manter a sua hegemonia pretérita, portanto, terá de dar alguns passos para trás e focar apenas no que é uma boa história, e bem transposta para as telas.

Nota: 2.5/5

Capitão América: Admirável Mundo Novo
Capitão América: Admirável Mundo Novo

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