Vicky Cristina Barcelona: paixão, arte e encontros em um verão inesquecível

Quando vi a capa do filme em minha tela, o que me intrigou de imediato em Vicky Cristina Barcelona foi o seu título: duas mulheres e a capital da Catalunha (tenho certeza que lhe passou a Espanha pela cabeça, mas não se envergonhe, pois pertence de alguma forma). 

Com um pouco de pesquisa, descobri que o filme retrata Vicky (Rebecca Hall), uma estudante conservadora, e Cristina (Scarlett Johansson), uma aventureira impulsiva; que resolvem passar o verão em Barcelona. 

Elas conhecem o carismático pintor Juan Antonio (Javier Bardem), que as convida para um fim de semana em Oviedo. A situação se complica quando a ex-esposa temperamental de Juan Antonio, a artista María Elena (Penélope Cruz), reaparece.

O filme discute diferentes visões sobre o amor. Vicky representa a busca por um amor seguro e estável, enquanto Cristina busca a paixão e a aventura. Essa última é minha xará, mas ao longo do filme descobri que não temos nada em comum (pelo menos eu desejo isso ardentemente). 

Vicky, Cristina e o narrador impaciente

Tão logo dei o play, mal tive tempo de me recostar nas almofadas e levar a pipoca à boca: o filme me pegou pelo cangote e arremessou lá no meio do enredo, graças a um narrador verborrágico que parecia estar com muita pressa. Introdução pra que, né gente? 

Assim que consegui absorver um pouco do que a voz havia dito sobre Vicky, Cristina e a decisão de irem a Barcelona, por fim, encontrei a explicação disso: Woody Allen.

O narrador onisciente que sabe de tudo sobre os personagens e suas vidas é um recurso que Woody Allen usa frequentemente em seus filmes. Isso serve para pular direto aos acontecimentos, mergulhando o espectador na história imediatamente. 

Ótimo, pensei. Não pretendo perder tempo com filmes de 2008. Naquela década, o tempo passava diferente. Não para Cristina, que parecia ter todo o tempo do mundo para cometer sandices.

Comédia, drama e intelectualismo 

Quando chegam a Barcelona, Vicky e Cristina estão em situações de vida bastante diferentes: Vicky, a perfeitinha, a filha que nunca deu trabalho, está noiva de Doug e vive arrotando sensatez, principalmente sobre o amor. Ela está em Barcelona para estudar a cultura catalã para seu mestrado.

Já Cristina é mais emocional e aventureira. Ela acabou de terminar um relacionamento e busca novas experiências, sejam elas quais forem, sem saber o que quer da vida. 

E é nesse estado mental que as amigas são contatadas por Juan Antonio, um artista boêmio e sensual com um cheiro tão forte de golpe que chega a ser palpável.

O moço convida as duas para um fim de semana em Oviedo, recheado de arte e aventuras (de todos os tipos), o que Vicky recusa com um sermão digno e ortodoxo, destacando o quanto aquilo era uma loucura. Por outro lado, Cristina enxerga a situação com um deslumbramento quase infantil.

Juan ignora os reclames de Vicky, como se soubesse que, no fim, ambas estariam dentro de seu avião rumo ao passeio. E adivinha? Foi o que aconteceu. “O que posso dizer? Sou um romântico,” dita ele com toda a seriedade.

Vicky e Cristina em Oviedo

Cristina já chegou ao destino doida pela cama de Juan, porém, uma virose a obrigou a passar dois dias deitada em outra, repousando bem longe do homem. Enquanto isso, a vida andou para Juan e Vicky, que aos poucos, foi cedendo aos encantos do pintor que parecia fundir-se à paisagem e ao clima do norte da Espanha.

Ao fim da estadia, as duas retornam a Barcelona: Cristina culpando-se por ter estragado o fim de semana de todos (sabe de nada ela) e Vicky culpando-se por não ter mantido o puritanismo e o bom senso que tanto atribuía a si mesma.

Um casamento para Vicky, e alguma coisa para Cristina

Como se não bastasse sua consciência, a vida que Vicky havia deixado em Nova York também a persegue. Doug, seu noivo, comunica a brilhante ideia de se casar com ela em Barcelona, e passar a lua de mel ali mesmo, tudo isso nos próximos dias. Vicky não consegue despistar o moço, que logo aparece no aeroporto cheio de expectativas.

Enquanto isso, Cristina segue encontrando-se com Juan Antônio. Quando Juan a convida para o universo de saraus, arte, música e boemia em Barcelona, ela vê a oportunidade de viver a vida que sempre idealizou, longe do tédio e materialismo de Nova York. 

Foi somente natural Cristina aceitar morar com ele. Agora, ela passa a ter certeza de que encontrou o que lhe faltava: um estilo de vida guiado pela paixão, não pela rotina. Isso até a realidade lhe bater à porta, ou melhor, tocar o telefone, no meio da madrugada: María Elena, ex-mulher de Juan Antonio, havia tentado suicidio novamente. 

Maria Elena: a injeção de caos (graças a Deus)

Quando estava ficando claro que o filme não valia meu precioso tempo, eis que ela chega. Sim, eu admito que tenho a minha preferida nesse pandemônio: Penélope Cruz, na pele da problemática Maria Elena que, na minha opinião, é a pessoa mais sã e divertida em meio a esse desconjuro todo.

O filme a trata como uma força da natureza, uma artista incompreendida. Nela, a paixão e a arte estão necessariamente ligadas à histeria e à violência. A personagem é uma caricatura glorificada da mulher ciumenta e imprevisível.

Cristina achou um pouco estranho a acolhida de Juan Antônio à sua ex-esposa em sua casa, mas como era de se esperar, não quis bancar a careta neste momento. Logo, para desespero de todos, Maria Elena recuperou sua saúde (física, somente) e começou a destilar ironias e implicâncias com o casal. Falava em espanhol sempre que podia para provocar Cristina, que não compreendia a língua. 

Passados os primeiros dissabores, o trio passou a se dar muito bem, bem até demais, se é que me entendem. A harmonia entre os três é tão caótica que chega a ser cômica.

Maria Elena, que também é pintora, começa a agir como mentora de Cristina e a guiava pela cidade, ajudando-a a tirar fotos artísticas. Cristina se mostrava um pouco confusa em meio a dinâmica daquele casal (afinal, quem era um casal agora?), mas respirava a arte como consolo, e sentia que agora tinha a chance de ser vista e admirada.

Enquanto isso, Vicky e Doug seguiam em lua de mel na mesma cidade, porém, ela com um nó na garganta dado pelo espanhol tórrido que colocou em cheque a vida que Vicky tanto planejou para si.

Vicky e Cristina: ora ora, se não é a realidade?

Sem surpreender ninguém, Juan António procura Vicky, todo charmoso e interessado, querendo reviver o que tiveram em Oviedo. A moça, que agora é casada, ainda sente o coração balançar pelo galanteador, e aceita se encontrar com ele. 

Nessa altura, quando já estou em minha sala berrando frases que as mães usam para recobrar o juízo das filhas, percebi o que Juan Antônio significa para as duas mulheres, e por isso, exerce tanto poder sobre elas.

O romance de Cristina com Juan Antonio é, na verdade, a busca dela por uma nova identidade e um novo lar intelectual. Ela se apaixona pelo estilo de vida que ele representa, um universo que ela acredita ser o oposto do que ela tentava escapar em Nova York.

Já para Vicky, Juan Antonio significa a tentação e a subversão da sua vida planejada. Ele é a encarnação de tudo o que ela reprime e evita: a paixão avassaladora, o caos e a imprevisibilidade.

Coloque tudo isso sob o céu espanhol, some a beleza estonteante de Barcelona, um verão quente, um vinho de boa safra e a liberdade de estar em férias, e você terá a permissão de deixar de lado sua razão e crenças. Ou, no caso de Cristina, mergulhar na interminável e insana busca por algo mais, que parece nunca bastar.

A lição final (e cinicamente verdadeira) de Vicky Cristina Barcelona

Vicky aceita “dar uma volta” com Juan, deixando claro que agora está casada, mas sempre com aquele perfume de deus-me-livre-mas-quem-me-dera. 

Em um momento mais íntimo entre os dois, aparece a cereja do bolo: empunhando uma arma na delicada mão que outrora empunhara um pincel, Maria Elena surge ensandecida de ciúme e ameaça acabar com este triângulo-quarteto-pentágono amoroso, se não por retórica, por pólvora. Os planos acabam ali e a mulher é contida.

O filme encerra com a cena tediosa de Vicky, Doug e Cristina retornando a Nova York, cada um carregando uma tensão diferente. 

Doug começa a perceber algo no ar (talvez algo repousando sobre sua cabeça). Vicky, a conservadora, que buscava a segurança e a estabilidade de um casamento e de uma vida planejada, descobre que a paixão a assusta, e que a rigidez de seus planos a impede de viver experiências que podem trazer felicidade. Ela volta para sua vida “perfeita”, mas agora com a semente da dúvida plantada.

Cristina, a liberal, que busca apenas a novidade, a aventura e a paixão, descobre que a falta de comprometimento e a incessante busca por algo “novo” a deixam vazia. No final, ela não tem um propósito ou um lugar fixo, apenas a certeza de que a experiência com Juan Antonio e María Elena não era o que ela queria.

Woody Allen, eu não sei quem te traumatizou

O filme é uma grande piada sobre o amor romântico, mostrando que a paixão é passageira, a estabilidade é tediosa e a idealização só leva a decepções. A narração, com sua voz calma e distante, serve para sublinhar a ironia de tudo, como se estivesse dizendo: “Olhem para essas pessoas e suas vidas complicadas. Não é ridículo?”.

Em Vicky Cristina Barcelona, Woody Allen sugere que o amor não é nada mais do que uma série de decisões ruins tomadas por pessoas ligeiramente insuportáveis. O ceticismo amoroso do cineasta é a conclusão de que o amor, em qualquer uma de suas formas, é sempre complicado, imprevisível e, talvez, nunca satisfatório. 

O grande ponto de Vicky Cristina Barcelona é justamente desconstruir a fantasia e mostrar que, no fim das contas, a vida real é muito mais complicada (e interessante) do que qualquer plano ou filosofia. Mas que, assim como o filme, vale a pena.

Vicky Cristina Barcelona paixão, arte e encontros em um verão inesquecível
Vicky Cristina Barcelona paixão, arte e encontros em um verão inesquecível

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