Delírio a Dois

Coringa: Delírio a Dois (2024) – Crítica

Sumário

Se o primeiro Coringa é uma ode aos incels, Delírio a Dois não sabe o que é. Toda a configuração como um musical mesclada a um filme de tribunal são escapismos para mascarar o quão vazio o segundo longa realmente é. Para muitas continuações sempre se diz que, se houver uma história, pode-se pensar em fazer mais um. Não havia uma.

A vida nos ensina a suportar a pressão de todos os lados e nos mantermos firmes em nossos ideais e objetivos. Se Todd Philips e Joaquin Phoenix houvessem se mantido fieis a essa postura firme inicial, o mundo teria sido poupado de duas horas de uma obra que não tem nada a dizer.

A sinfonia do vazio

Se o primeiro longa incomoda o tempo todo (ainda que de uma forma caricaturizada, fazendo todo e qualquer cidadão ser quase maligno, talvez para focar na visão de Arthur), o segundo traz um grande sentimento de vazio – fora da tela, não em prol da narrativa.

A sinfonia do vazio
Fonte/Reprodução: Warner Bros.

No âmbito técnico Delírio a Dois é muito bem executado, tal qual o longa de 2019, mas acrescido do desafio de se fazer um musical. Esse mérito envolve todos os elementos envolvidos. Lady Gaga entrega um bom trabalho, ainda que Joaquin seja, mais uma vez, o grande astro. A edição e a mixagem de som servem muito bem ao filme, em consonância com a trilha, as canções escolhidas e a fotografia; e Philips executa tudo de forma cirúrgica.

O musical, por mais bem executado que seja, não possui uma função realmente autêntica na trama; e acaba por ser mais um pedantismo para justificar uma sequência diferenciada e, talvez, angariar premiações na temporada do Oscar. É nesses momentos que o talento de Lady Gaga foi realmente bem aproveitado, pelo poder de sua voz. A atriz, no entanto, pouco teve para mostrar.

Lá e de Volta Outra Vez, Arthur

Assim como no primeiro, o mundo estabelecido em Delírio a Dois é composto por cidadãos cruéis (como os personagens de Brendan Gleeson e Steve Coogan), em uma multidão que revela uma ou duas pessoas mais bem intencionadas. E aos pessimistas de plantão: não, o mundo real não é assim.

O vazio por si só já bastaria para o sentimento de decepção; mas seria diferente, se ao menos o longa deixasse o predecessor em paz. Delírio a Dois desfaz, fundamentalmente, a jornada do herói/vilão desenvolvida ao longo de todo o primeiro Coringa. Isso é tão literal, que se uma pessoa imaginar o primeiro longa de trás para frente e adicionar algumas cenas musicais no meio, terá criado em sua mente de forma precisa o novo filme.

Lá e de Volta Outra Vez, Arthur
Fonte/Reprodução: Warner Bros.

Não é a primeira vez de Philips fazendo algo semelhante: em Se Beber, Não Case! Parte II, todo o aprendizado do grupo ao final do primeiro filme é anulado, para que eles pudessem cometer os exatos mesmos erros na continuação. As séries de TV da Marvel na Netflix faziam o mesmo: o personagem se desenvolve por uma temporada inteira para se entender como herói; ao passo que no início da temporada seguinte ele regride completamente para viver a mesma jornada. 

Vagando pelo submundo cego, surdo e mudo

Delírio a Dois faz isso de forma piorada, pois Arthur Fleck volta ao início e ali permanece, aceitando a condição de incel. Nem sempre o efeito Mad Max – Estrada da Fúria funciona. Muitas vezes é preciso realmente seguir em frente. E, assim como em Matrix 4, haverá teorias de que Philips fez tudo isso propositalmente, para matar a franquia de vez.

Em Tróia, Aquiles (Brad Pitt), ao derrotar Heitor (Eric Bana), profere que ele “perderá seus olhos, orelhas e língua. Vai vagar pelo mundo dos mortos cego, surdo e mudo, e todos os mortos vão dizer: ‘Este é Heitor. O tolo que pensou ter matado Aquiles’.”. Aqui, Todd Philips foi o tolo que pensou ser uma boa ideia continuar uma história fechada em si mesma, e condenou Delírio a Dois a vagar pelo mundo dos mortos cego, surdo e mudo.

Nota: 2/5

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