Apesar de se tratar de uma discussão antiga, Hellboy e o Homem Torto (2024) veio para nos provar que transpor uma graphic novel para as telas não é uma solução viável, salvo algumas exceções – se o roteiro dos quadrinhos já possuir uma estrutura parecida com a de cinema. Não é o caso da história que o longa adapta, de mesmo nome.
O espaço tão curto de tempo entre o lançamento deste Hellboy e o de O Corvo se mostra até mesmo irônico, sendo ambos adaptações de graphic novels; com a diferença de que o segundo opta pelo caminho oposto: deixar a história original para as obras originais. Isso só se torna possível se houver o afastamento do criador em relação ao trabalho de adaptação, ou o seu amadurecimento e consequente desprendimento quanto ao processo.
A odisseia de uma adaptação
Para uma compreensão mais aprofundada de Hellboy e o Homem Torto é interessante saber que o criador do personagem, Mike Mignola, nunca foi um grande fã dos dois longas originais, de Guillermo del Toro. O estilo dos quadrinhos do personagem é mais soturno, macabro, com raízes no terror; ao passo que del Toro trouxe muito de sua personalidade e estilo para as primeiras adaptações. É o que faz um cineasta com personalidade.
Sobretudo em Hellboy II (2008), del Toro trouxe muito do estilo fantasioso de O Labirinto do Fauno (2006), com elfos, trolls, elementais e o Exército Dourado que dá nome ao subtítulo do longa. Esse desejo de Mignola por uma adaptação mais fiél de sua obra se tornou realmente uma busca que passou a fazer parte da trajetória do personagem na sétima arte, e que ganhou seus primeiros contornos com o reboot de 2019.
Uma adaptação literal e integral de uma das histórias de Hellboy só veio a acontecer, contudo, este ano, com o longa dirigido por Bryan Taylor, com roteiro assinado pelo próprio Mignola e Christopher Golden (que já havia escrito histórias do personagem). Mais importante do que isso é o fato de a fidelidade ao quadrinho de mesmo nome ter sido usada até mesmo para vender o filme. Taylor deixou claro ter apenas as HQs como inspiração.
Dissonância na tela
O grande problema é que a estrutura narrativa da literatura, mesmo que em quadrinhos, não segue o mesmo ritmo e cadência de um longa-metragem, da mesma forma que um filme não tem o mesmo compasso de um episódio de série de TV.
O resultado disso para Hellboy e o Homem Torto é um longa desconjuntado, que causa constante sensação de estranhamento ao espectador, mas pelos motivos errados. Não fosse o problema de concepção prejudicial o bastante, a direção torta de Bryan Taylor foge de qualquer bom senso, e isso vem desde os seus trabalhos anteriores, como Adrenalina (2006) e Motoqueiro Fantasma – Espírito de Vingança (2012).
Soma-se ao conjunto uma edição igualmente desorientada e uma trilha sonora ao mesmo tempo sem personalidade e tentando compensar a sua falta com a hipérbole em momentos que requerem sutileza. Em cenas de diálogos casuais a música soa como se estivesse acontecendo um jump scare na tela. A fotografia, por sua vez, mira propositalmente no soturno dessaturado, mas não se beneficia dos erros de seus colegas.
Esforço e desalinho
A história é interessante, assim como os seus personagens, com o óbvio destaque para o protagonista. Deixando as criaturas fantasiosas de lado, este longa foca na bruxaria tradicional e em figuras demoníacas, como o segundo personagem-título do filme. A trama envolve um Hellboy mais jovem e se passa nos Apalaches, em 1959; ainda que isso não seja muito importante para a história em si.
Todo o elenco cumpre bem o seu propósito, apesar de ninguém chamar realmente a atenção. Jack Kesy honrou melhor a personalidade de Hellboy do que David Harbour, apesar de não ter o mesmo carisma de Ron Perlman – se isso é demérito do ator ou do filme, fica em aberto. Adeline Rudolph se sustenta bem como a coprotagonista, Bobbie; e Jefferson White traz a estranheza necessária a Tom Ferrell, responsável por guiar a trama.
A estranheza que o filme gera poderia ser mais bem-vinda, se conduzida competentemente e em consonância com os outros elementos constitutivos de um longa-metragem, em um sentido lato. Se ao menos um desses elementos estivesse melhor encaixado, Hellboy e o Homem Torto poderia ser um filme menos desajustado.
Em contrapartida, a obra tem o mérito de ao menos haver tentado fazer algo diferente. Os seus erros são mais honestos do que os de seu antecessor, dirigido por Neil Marshall. Ao menos este tem algo a dizer, mesmo que o recado soe estranho.
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Nota: 2.5/5